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sábado, 8 de fevereiro de 2020

Série Barracões: Com águia high-tech Portela quer reviver desfiles históricos ao amanhecer

Por Guilherme Ayupp
A história registra. Se por um lado pode ser um tanto quanto penoso e cansativo encerrar um dia de desfiles no Sambódromo, por outro lado a Portela tem passagens e imagens inesquecíveis desfilando com os primeiros raios de sol. Quem se esquece da águia dourada de 2004 ou da comissão de frente com o céu cor de rosa em 1983? Encerrando os desfiles do domingo de carnaval em 2020 a Portela aposta em um escala de cores que farão despertar o público no Sambódromo.
Quem conta é a carnavalesca Márcia Lage, responsável pelo projeto do enredo ‘Guajupiá, terra sem males’ ao lado de Renato Lage. Márcia recebeu a reportagem do CARNAVALESCO no barracão para questionamentos sobre o desfile da Portela. A artista falou sobre o desafio de encerrar uma noite de apresentações.
“Estamos usando cores pensadas para explodir à luz do dia. Elementos favoráveis à iluminação da manhã. A gente vai ‘acordar’ o público. A ideia é de dar esse despertar mesmo, por sermos a última a desfilar no domingo”, explica.
É claro que todos se perguntam. E a águia? Ao contrário de muitos carnavalescos que passam pela Portela e fazem a águia por último e guardam o segredo a sete chaves, Márcia deu pequenos detalhes do que esperar do maior símbolo dos desfiles de escola de samba. A águia será high-tech, indígena e ocupará toda a extensão do primeiro acoplamento do abre-alas.
“Foi a primeira alegoria a ser desenhada por nós. Demos uma solução, achamos meio deja-vu. Aí criamos outra. A águia vem high-tech, mas com tecnologia tupiniquim, made índio do Brasil. O movimento tem um efeito muito bacana. A águia ocupa todo o primeiro acoplamento do nosso abre-alas”, adiantou.
Em tempos de crise financeira, é hipocrisia recusar patrocínios que rendam bons enredos. Enquanto a Portela buscava um bom patrocínio para o seu desfile, que acabou não vindo, Márcia mergulhava na leitura do livro ‘Rio antes do Rio’, do jornalista Rafael Freitas. Ali nascia o enredo da Majestade do Samba pra o Carnaval 2020.
“Estávamos aguardando um patrocínio para o Carnaval 2020. Eu tinha o livro do Rafael em casa e lendo percebi que dava um enredo. Apresentamos e a diretoria da escola adorou. Tudo vem acontecendo num crescente, o samba. Acho que o canto, a evolução do portelense, o peso da Portela, formam barba, cabelo e bigode. O mais legal que descobrimos foi o Guajupiá em si. Como tornar essa coisa idílica imaginada por eles em algo real, nos dias atuais, fugindo do lugar comum. Abusamos da linguagem mais linear e limpa. Grafismos e contrastes de cor limpos. Nossa mata não é o verde puro, é uma proximidade em tons cítricos. Mas o verde bandeira não tem. Linguagem completamente figurada”, adiantou.
Quando a Portela viveu seu jejum de títulos não foi apenas o aproximar de outras escolas no ranking de campeonatos que preocupava. Os grandes artistas da festa brilhava em outros pavilhões. Rosa Magalhães, Alexandre Louzada, Paulo Barros, Renato Lage. Todos era sonhos inatingíveis. Esse tempo passou e todos esses artistas estiveram na escola nos últimos anos. Renato e Márcia fazem sua estreia em 2020. A carnavalesca cita o carinho da comunidade e revela que apesar das dificuldades a Portela vai disputar para ganhar o seu 23º campeonato.
“Sentimos muito esse abraço do portelense. E é recíproco. Estamos felizes de estar aqui. O peso de estar na Portela não dá nem para mensurar. É uma responsabilidade imensa você ter a incumbência de colocar a Portela na avenida. Posso dizer que os presidentes de alas estão maravilhados. Disseram que foi a primeira vez que não teve briga para pegar os figurinos, pois todos gostaram. O boca a boca daquilo que já viram para nós já está nos deixando muito felizes. Quando virem tudo na avenida, eu acho que eles vão cantar muito esse samba. A tribo vem forte”, elogia.
‘Crítica tem que ser jocosa, não panfletária’
Em um período onde muitos enredos trarão mensagens políticas incisivas, Renato e Márcia buscam outro caminho, embora o enredo da Portela tenha também seu tom crítico, incluindo indireta para governantes na letra do samba. Márcia se posiciona sobre o conteúdo da crítica nos desfiles de escola de samba.
“Eu acho que a crítica jocosa, o meme, aquele enredo que fizemos sobre a Fama no Salgueiro, válidos. O panfleto de forma direta, no meu ponto de vista, não gosto. São 70 minutos que você tem para mostrar a sua arte. Acho que o povo está um pouco saturado disso. Mas cada um no seu quadrado. Não acho que a escola de samba tenha que ser porta-voz de nada. Eu e Renato sempre colocamos a crítica, mas de uma forma mais carnavalizada”, disse.
Renato Lage é oriundo dos estúdios de TV. Márcia nasceu artisticamente na tradicional Escola de Belas Artes. Ela revela como o carnavalesco precisa pensar nos diferentes tipos de púbico que avaliam o desfile.
“O público que vê na TV, por mais que tentemos tornar o que ele está vendo real, os filtros de luz fazem as cores se perder. Depende do que vai ser selecionado para mostrar. Isso foge da nossa alçada. Na avenida sim, trabalhamos o equilíbrio, dos dois lados de arquibancadas, frisas e camarotes. É um cortejo pela lateral. O conjunto de canto com o visual é um espetáculo delirante. O jurado é o mais difícil de atingir. Cabeça de jurado é complicado, não temos como saber como será a recepção daquilo que estamos preparando. Está tudo muito bem explicado e defendido”, garante.
Entenda o Desfile
Setor 1 – “O Guajupiá. Esse universo idílico, o paraíso em si”.
Setor 2 – “Aldeia carioca, a natureza, presença de fauna e flora em carros e fantasias”.
Setor 3 – “Entramos na parte da okara, um pouco da reunião da moca, os hábitos, costumes, a forma de vida. Entram tons mais terrosos, os artefatos, a palha, cerâmica”.
Setor 4 – “A iniciação, que é a festa do Cauim. Para todos os rituais, o cauim se fazia presente. Tem tudo ver com carnaval, eles eram grandes beberrões”.
Setor 5 – “No final uma crítica ao Rio, destruindo sua paisagem natural através do concreto. É uma parte mais concreta, mais dura. Os índios se tornam fantasmas, soterrados na concretagem urbana”.

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