'NÃO, NÃO PODE SER VERDADE!' Luis Carlos Magalhães escreve sobre o Caso Dodô na
Portela
Por Luiz Carlos Magalhães
Chego em casa e acabo de ler a matéria de Fábio Silva para o GALERIA DO SAMBA
sobre a butique da Tia Dodô.
Tá certo, eu sei que a boa prática do jornalismo, e da crônica também,
aponta sempre para o bom senso em lugar da indignação quando uma notícia toca em
nossa emoção.
Eu bem sei disso.
Mas foi assim. Quando li lembrei logo a voz de Cristina Buarque cantando
aquele samba do Alberto Lonato: “Não... não pode ser verdade!”.
Talvez eu seja hoje o cara que tenha mais levado “esporro” da Tia Dodô.
Ela sabe o quanto gosto dela, tanto quanto sei o quanto ela gosta de mim.
O maior de todos foi na esquina da Frei Caneca com o Campo de Santana
quando tentei...tentei organizar uma festa para seus 90 anos.
Pobre de mim...
Tia Dodô foi impiedosa quando supôs... supôs que eu estava tentando
segregar os seus amigos do morro da Providência pelo simples fato de o gerente
da Gafieira Elite ter insistido para que as entradas fossem controladas por
convites.
Pobre de mim...
E com platéia e tudo. Tão grande quanto vocês possam imaginar passando
ali em um a sexta-feira às duas da tarde, inclusive ônibus.
Conto isto, e apenas esse caso, só para que vocês saibam o quanto sei o
quanto é turrona, marrenta autoritária a nossa musa. Docemente turrona,
marrenta e autoritária, pelo menos para mim.
Mas é hoje o ser humano mais singular que conheço. Ninguém com sua idade
reúne história de vida tão formidável conduzida por uma disposição física
invejável, inacreditável e inesgotável.
Em um dos primeiros encontros realizados por Fábio Fabato na Finep
homenageava-se Tia Dodô. E falava-se muito em inovação, até em homenagem a uma
das letras da sigla que a todos nós recebia –A FINEP.
Dada a mim a palavra, em meios a tantas referências às inovações do
carnaval, dirigi-me à platéia, não sem alguma emoção, para dizer que a
verdadeira... a mais legítima marca da inovação no carnaval era aquela deixada
em cada desfile quando por ali passava Tia Dodô.
Referia-me ao entusiasmo, à carga de vitalidade e entrega que havia ali,
que passava ali fantasiada naquele corpo magro, esquálido, repositório de tantas
histórias do carnaval e da Portela.
Sei que Tia Dodô não é lá de cima, de Oswaldo Cruz, e que em razão disso
pesa sobre ela e sua história uma “certa” restrição de alguns poucos
portelenses. Sei que, por conta disso ou não, nega-se a ela com alguma veemência
a condição de primeira porta-bandeira da Portela, condição essa que, pelo menos
para mim, e em todos os depoimentos que li, ela nunca reivindicou.
Tia Dodô foi, isto sim, e é isto que proclama,foi a primeira
porta-bandeira campeã pela escola, em 1935,quando a escola ainda nem se chamava
Portela. E foi a partir desse mesmo ano de 1935, já com seu glorioso nome, que a
escola passou a desfilar. Sendo assim, a primeira porta-bandeira a desfilar sob
a nomenclatura Portela era ela, Tia Dodô.
É a mais antiga personagem da escola.
É testemunha única de todas as suas glórias. Não há ninguém na escola que
a ela se compare...não há em nenhuma escola quem possa como ela contar o
testemunho que só ela pode dar com sua prodigiosa memória.
Ouso dizer: não há ninguém mais no mundo inteiro que tenha vivido em
carne e osso um mesmo evento, ininterruptamente, por tanto tempo.
Eis, portanto, os dois lados de uma mesma moeda. Essa valiosíssima e
única moeda chamada Tia Dodô. Moeda que só os Portelenses têm.
Na matéria de Fabio Silva o presidente Nilo informa que a butique não
estava no projeto da nova sede. E que está tentando resolver a questão.
Ora, que projeto é esse afinal? Quem o elaborou? Quem tomou conta dele?
Que tipo de autoritarismo é esse de se propor um projeto a uma entidade quase
secular sem conhecer suas raízes, sua ancestralidade.
Todos sabemos, nós e o Presidente Nilo, que Tia Dodô pouco ia à Portela,
que mora longe e tem mais de 90. Quando ia ficava lá quietinha em sua butique, a
única butique no mundo que nunca vendeu nada. E nas festas dos padroeiros levava
as flores para N. Senhora e São Sebastião.
Todos nós sabemos, nós e o Presidente Nilo, que se a butique e o
santuário não forem restabelecidos, dificilmente Tia Dodô terá o que fazer lá.
Desaparecerá, como aquela frase símbolo de nossa velha quadra, do nosso maior
orgulho em nossos dias: “AQUI DEU FRUTOS A ÁRVORE QUE A VELHA GUARDA PLANTOU”.
Na época foi dito que havia necessidade de pintar “aquela” parede central. Foi
também uma omissão do projeto?
Não acho que o Presidente Nilo vá negligenciar sobre isto, nem vá
empurrar com a barriga. Muito menos que vá deixar Tia Dodô a ver navios.
Acredito, isto sim, que com todas as dificuldades que ele tenha de
relacionamento com ela, o Presidente tenha a sabedoria, homem inteligente que é,
de saber que, queira ou não, Tia Dodô é muito mais importante que todos e cada
um de nós, mortais Portelenses.
Saberá que o “livro de nossas histórias” falará “nada” de mim, alguma
coisa dele, e muito dela.
Inteligente como é, o presidente Nilo saberá que a história é assim
mesmo, não livra a cara de ninguém.
Apaixonados e orgulhosos que são, algum Portelense lembrará dela no
futuro; quem sabe como uma Sinhá Olímpia enfezada e faça dela um enredo tão
bonito quanto o daquela de Vila Rica.
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