Sergio Procópio da Silva, mais
conhecido pelo nome artístico, Serginho Procópio, nasceu em 1967, no Rio de
Janeiro e é o atual Presidente do Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela. Candidato
da oposição eleito em 2013, desde então, Serginho Procópio vem conciliando sua
carreira de artista
com a missão de liderar uma das escolas mais tradicionais
do Rio de Janeiro. Músico, cantor, compositor, com inúmeros sambas gravados,
por ele mesmo e por outros sambistas e membro da tradicionalíssima Velha Guarda
da Portela, Serginho nos honrou com essa entrevista, na quadra-sede da Portela.
Portelamor: Serginho, em
primeiro lugar, em meu nome e em nome da Torcida Portelamor eu gostaria de te
agradecer por essa honra, por esse privilégio de conversar com você.
Serginho Procópio: O
prazer é todo meu, estou aqui à disposição e vamos lá, conversar.
Portelamor: Em primeiro
lugar, gostaríamos de conhecer um pouco mais da sua biografia, da sua história,
onde você nasceu, onde viveu sua infância, como foi sua chegada na Portela.
Serginho Procópio: Nasci
em Jacarepaguá, mas fui morador de Marechal Hermes, no subúrbio, ali na Rua
Alexandre Gasparoni. Minha infância, minha juventude foi toda lá. Só saí de
Marechal Hermes quando casei, e hoje em dia moro em Bangu. Meu vínculo com a
Portela vem de muito pequeno, “se bobear”, acho que antes de eu nascer. Estava
predestinado: “aquele ali vai ser portelense, vai lá que você vai nascer
portelense”, diziam. E assim foi. Meu pai já tocava na Portela, era o
cavaquinho da escola e também foi convidado pelo Paulinho da Viola a integrar a
Velha Guarda, era o cavaquinista da Velha Guarda. Meu convívio com a Portela
vem desde pequeno, ouvindo os compositores que frequentavam minha casa, até
mesmo para fazer fita, porque não eram tantas as pessoas que tocavam cavaquinho
naquela época. E eu cresci vendo, desde pequeno, seu Alvaiade, que era meu
vizinho, em Marechal Hermes, ele sempre passava lá, sempre chamando meu pai.
Então, meu convívio com a raiz da escola vem desde pequeno. Minha infância foi
praticamente “regada” a isso. Meu pai também tocava com Candeia, que era compositor
da escola. A gente ficava, eu e meus irmãos, praticamente, sempre na casa do
Candeia. Meu primeiro cavaquinho eu ganhei das mãos do Candeia. Não que seja um
ótimo cavaquinho, aquilo era para mim mais uma brincadeira, não era aquela
coisa profissional. Hoje em dia quando falo disso, as pessoas dizem: “você
ganhou um cavaquinho do Candeia!” Para a gente naquela época era uma coisa tão
normal, o convívio com essas pessoas. A gente não sabia o que no futuro o
Candeia viria a simbolizar, o que viria a significar. Meu avô por parte de pai
também era compositor de chorinho, andava com Pixinguinha, com aquele pessoal
da Velha Guarda do Choro. Ele tem choro gravado, inclusive um dele, muito
famoso, gravado, que é o “Gadu namorando”. E o meu avô por parte de mãe também
era músico, por incrível que pareça. Ele tocava violão, cavaquinho. Ele era de
Miguel Pereira, a família de minha mãe era de lá, e meu avô era responsável
pela Folia de Reis[i]. Minha
mãe dizia que o pessoal falava: “vem a Folia do Tião Costa aí”. As pessoas
tinham muito respeito pela Folia de Reis do meu avô. E assim foi minha vida. Eu
tenho esses dois elos, da parte da minha mãe e da parte de meu pai. Eu tenho
outros irmãos, um que é compositor, outro que arranha o cavaquinho, mas acho
que esse dom acabou ficando para mim. E também eu gosto, não é só um dom,
porque se você não manifestar isso, o dom acaba ficando quieto num lugar. E eu
manifestei isso desde pequeno, desde pequeno eu sempre gostei de música,
sempre, sempre. Me lembro de sempre ter um cavaquinho na minha vida. Daí vem a
minha linhagem musical.
Portelamor: O seu contato
com a música vem desde há muito. O seu avô, Laudelino Procópio, seu pai, o
grande Osmar do Cavaco, foram figuras históricas no mundo do samba, do choro.
Como você vê o seu trabalho de músico e compositor e qual a herança que recebeu
desses mestres?
Serginho Procópio: Olha,
do meu avô, recebi a herança física, pois eu me pareço muito com ele, e a
composição. Meu pai não era compositor, era músico, tem poucas músicas feitas,
praticamente não era compositor. Mas na maneira de tocar, e de tocar a vida, também,
eu acho que me assemelho muito a meu pai.
Portelamor: Fale um pouco
da sua carreira como músico e compositor.
Serginho Procópio: Como
compositor eu tenho mais de 200 músicas gravadas, com grandes nomes da MPB:
Agepê, Zeca Pagodinho, toquei com Agepê durante muito tempo, já gravei músicas
com Beth Carvalho, com o próprio Zeca Pagodinho, Neguinho da Beija-Flor, Fundo
de Quintal, Reinaldo, por aí vai... Com um montão de gente e grupos. Como
compositor eu comecei a fazer música desde pequeno, mas sem pretensão, só
brincando. Depois de algum tempo é que eu fui me mantendo mais
profissionalmente nisso, fui perdendo a timidez, de mostrar minha música para
alguém. Minha primeira música foi gravada pelo Zeca Pagodinho, em parceria com
ele. E aí foi... A música sempre me pegou desde cedo, estava sempre com um
cavaquinho. Eu fui seminarista, estudei para ser padre, dois anos e meio no
seminário, e onde eu estava tinha uma violinha espanhola. Eu tirei umas quatro
cordas dela e fiz um cavaquinho. Até nas missas de Ação de Graças eu cantava.
Lembro que cantava um samba de Luiz Carlos da Vila, que foi inclusive enredo da
Viradouro [Cantarola um trecho], “um
dia meus olhos ainda hão de ver / na luz do olhar do amanhecer” [Trata-se do
samba “Por um dia de graça”]. Quando saí do seminário, freqüentei as rodas de
samba junto com meu pai, já arranhando o cavaquinho. Meu pai dizia: “Meu filho
vai tocar”, e eu ficava sem graça. Ele me botava para tocar e às vezes eu não
sabia a música e ficava sem graça. Mas ali fui surgindo. Depois eu tive oportunidade de estudar música, com Paulão 7
Cordas, maestro da banda do Zeca, que nunca me cobrou um tostão para me dar
aulas. Eu tenho o Paulão dentro do meu coração, com o maior carinho. Pessoa
importantíssima no mundo do samba e na minha vida, principalmente. Eu, garoto
de subúrbio, pobre, queria aprender, não sabia como e não tinha como pagar e
ele me deu aula, de graça, foi o primeiro professor que eu tive. Uma pessoa
muito generosa. Paulão é assim, grandão, forte, um coração muito grande.
Depois tive oportunidade de estudar em outros lugares. Comecei a tocar, fazia
parte da Banda Mistura Brasileira, do Agepê. Depois foram aparecendo outros
lugares para tocar, as pessoas foram me chamando. Assim, o músico Serginho
Procópio começou a aparecer, antes do compositor. Depois, como tive essa
facilidade de tocar, foram aparecendo oportunidades de mostrar minhas músicas,
também. Comecei com Zeca Pagodinho, com “Mafuá de Iaiá”, primeira música que eu
gravei; depois o “Talarico”, a segunda música que eu gravei, que foi um sucesso
[as duas foram e são um sucesso]. Apareceram outras oportunidades de eu mostrar
músicas, pessoas pedindo músicas, como a Jovelina [Pérola Negra], com quem tive
oportunidade de gravar a música “Antes do fim”, no último disco dela. Eu falava
muito com ela, no telefone. Um dia antes de ela falecer, eu liguei para ela e
ela falou que queria fazer uma música, é até engraçado, chamada “Coxinha de
galinha sem varizes”, nunca mais esqueci disso. No dia seguinte estou vendo a jornal
e anunciaram o falecimento dela. Foi triste para mim e para todo mundo, aliás.
E assim fui seguindo a minha vida, o compositor aparecendo mais do que o
músico. O samba teve uma época de auge e as pessoas foram me pedindo músicas,
fui gravando e fazendo, tendo mais parceiros, até de fora do samba, como o
Ronaldo Bastos [parceiro de Milton Nascimento], que tem uma história com o
“Clube da Esquina”, de que eu também sou muito fã. Durante a minha juventude
assisti muito show do Beto Guedes, Lô Borges, Flávio Venturini, 14 Bis, sou fã
até hoje. Mesmo porque na época em que frequentava a igreja católica, a gente
tocava muito essas músicas no violão, frequentava o show desses artistas,
quando vinham para o Rio. Além de gostar de samba, sempre gostei de ouvir todo
tipo de música. Vou ao show deles até hoje. Assim, minha carreira musical foi
surgindo, naturalmente.
Portelamor: Em uma
entrevista concedida à Torcida Portelamor, em 2014, a cantora Dorina nos disse
que a Portela tinha o privilégio de ter um Presidente de Honra como Monarco e
um Presidente como Serginho Procópio, principalmente por ambos serem, além de
portelenses de coração, grandes sambistas. Como você concilia essas duas
funções?
Serginho Procópio: Primeiramente,
é uma honra ser citado pela Dorina, grande cantora da MPB. Agora, num primeiro
momento não foi fácil. Muita coisa para organizar, estávamos formando uma
equipe. A música, no primeiro momento, ficou mais de lado. Mas depois da equipe
praticamente formada ficou mais fácil para a gente trabalhar, eu fiquei mais
livre. Eu nunca deixei de ser músico, nunca deixei de ser compositor, continuo
cantando, tenho um CD, sou cantor também, não posso deixar de fazer isso, isso
é minha vida. Eu estou Presidente,
mas um dia não serei mais. E tenho que tocar minha vida, minha carreira. Agora
já estamos no segundo ano para o terceiro, a gente já sabe das peças que aqui estão,
uma ou outra peça da escola a gente troca, mas a essência está ali.
Portelamor: Em que
momento você cogitou disputar a presidência da Portela? Pode nos contar como
foi esse processo?
Serginho Procópio: Eu não
gosto muito de falar de outras gestões. Mas, praticamente, na gestão do Nilo
[Figueiredo] foi uma época em que a Portela mais se afundou. A parte mais
triste da escola foi nessa época. Primeiro, os sambas tinham sempre uma
“armação” para serem escolhidos. Eu era compositor da escola, concorria com
samba com a quadra inteira esperando dar um resultado e dava outro resultado.
Isso aconteceu até mesmo comigo [Nesse momento, pergunto se posso transcrever
essas passagens e Serginho autoriza]. Um dos sambas que eu fiz aqui, a quadra
toda queria o samba, a escola toda queria e veio outro resultado. Daí eu falei
que não mais competiria, achei que havia muita falta de respeito. E eu tive a
oportunidade de dizer isso a ele [Nilo Figueiredo], diretamente, estavam
sentados na mesa o Nilo, Falcon [Marcos Falcon, atual Vice-Presidente da
escola], Marcelo Jacob, o Alex Wagner e eu mesmo. Falei que o que ele estava
fazendo com a escola era uma vergonha. Daí, já não participei mais. Eu acho que
fui um dos últimos a aderir à campanha de oposição, mas sempre protestava no
Orkut. E eu fazia parte da Velha Guarda quando ela decidiu se afastar da
Feijoada [tradicional festa mensal portelense, que acontece no primeiro sábado
de cada mês], pois ali estava havendo também falta de respeito. Decidimos parar
com a feijoada. Hoje em dia, a feijoada é um espetáculo para o Rio de Janeiro.
Nós começamos isso, a Velha Guarda, com Marquinhos de Oswaldo Cruz, ainda na
época do Carlinhos Maracanã. Logo no início, quem viesse com a camisa da
Portela não pagava entrada, para chamar os portelenses de volta.
Portelamor: Desculpe te
cortar, mas lá no campinho [famosas feijoadas mensais de domingo que
aconteceram em 2013, organizada por Marcos Falcon e sua equipe, que costurou o
movimento de oposição e congregou diversos portelenses descontentes com o rumo
da escola,] isso foi um pouco reeditado.
Serginho Procópio: É
verdade. E assim foi. No último carnaval da gestão do Nilo, o Falcon me ligou.
Na realidade eu não queria ser Presidente. Algumas pessoas não quiseram ser e
nós propusemos ao Monarco ser o Presidente, mas ele disse que já estava com
idade, tinha a carreira dele, não poderia ficar ali direto, então nós o convidamos
para ser nosso Presidente de Honra. Até que Falcon se reuniu com a equipe
formada eles me convidaram para ser candidato à Presidente. Eu fiquei meio
reticente. Não entendia de administração, tocava minha vida através da música,
através da Portela, que é uma paixão que eu não sei de onde vem. Tocava minha
vida moldada nisso, mas sempre com muita dignidade. Mas cheguei à conclusão de que
se a gente quisesse mudar alguma coisa teria que ser naquele momento. E eu não
podia dizer não a nossa nação portelense. Aceitei, fomos para a campanha,
batalhamos e conseguimos chegar. Agora, nunca estive sozinho, graças a Deus.
Muita coisa estou aprendendo. Na realidade, sou músico e compositor,
administrativamente estou aprendendo, mas tenho pessoas competentes do meu lado
e isso é importante, o que faltou à outra administração: ter pessoas com a
cabeça voltada para o que é certo. A gente sabe que a Portela quase acabou,
naquela época.
Portelamor: Nesses dois
anos sob nova direção, a escola se transformou. Que principais avanços você
destaca e quais os maiores desafios enfrentados?
Serginho Procópio: Os
maiores desafios foram as dívidas. Todo mundo sabe que herdamos uma herança
maldita de quase 14 milhões de Reais, ou mais, desde salários de funcionários,
barracão, tudo. Acho que se a gente não conseguisse entrar nessa gestão a
Portela desceria e não teria condições de subir. Devia o maior fornecedor de
material do Carnaval, o Babado da Folia, 900 mil Reais. Não é fácil. Para a
gente conseguir fazer um carnaval, tornar a escola competitiva e pagando as
dívidas custou muitas noites de sono, pensando no que fazer, parcela daqui,
parcela dali, e os credores entenderam que era melhor receber “pingado”,
sabendo que vai receber, do que não receber nada. E foram esses acordos que
fizemos. E apareciam também pessoas cobrando coisas que não eram comprovadas.
Então, dizíamos, “comprovem”. Não iríamos pagar nada que não fosse comprovado.
Trabalhos muito. Num primeiro momento, nosso pensamento sempre foi reerguer a
escola e torná-la competitiva. E eu acho que nesse primeiro ano conseguimos
mostrar já que a Portela estava mudando, chegamos em terceiro lugar...
Portelamor: E brigando
pelo primeiro...
Serginho Procópio: Isso,
brigando pelo primeiro, de forma muito honesta. Com os recursos que chegavam
pagávamos uma conta e investíamos no carnaval. Não sei como era feito antes, não
posso falar, o que eu sei é que ficou um rombo grande, mas da nossa maneira
pagamos nossas contas, que não herdamos, e fizemos nosso carnaval com tudo
pago. Não vencemos, mas mostramos que a Portela mudou, que a Portela agora é
competitiva. O portelense passou a acreditar. Nesse segundo ano, tentamos de
tudo, investimos pesado nesse carnaval, o portelense aderindo mais à escola,
vendo as mudanças, as obras, as coisas que a gente fez, justamente para
abrilhantá-la. A escola estava triste, mal pintada, e agora a escola parece que
está sorrindo. Colocamos uma águia aqui na porta, uma coisa tão simples, mas que
dá vida à escola, como uma pintura na parede. É o carinho que se tem. Nesse
segundo ano perdemos para nós mesmos, mas são coisas que acontecem na hora, não
temos como prever. A nossa Águia arrebentou, quando se falar do carnaval 2015
vão lembrar da águia da Portela, vai ficar um marco, eterno, vão falar da Águia
Redentora... Dos paraquedistas. Só a Portela mesmo. Impactante. [Em nome da
Torcida, parebenizo o entrevistado pelo desfile].
Portelamor: O que ainda
falta realizar, além, claro, do tão esperado campeonato?
Serginho Procópio: Queremos
o campeonato, nossa capela está quase pronta. Queremos colocar mais eventos que
façam o portelense mais feliz e que a gente possa com eles arrecadar fundos
para a escola, para que possamos pagar as coisas e investir melhor no carnaval.
É esse nosso pensamento, ter projetos que sejam os melhores para escola, tudo o
que for melhor para a escola. Não nos desfazendo de outros carnavalescos,
tivemos o Alexandre Louzada, que nesses dois anos foi maravilhoso, também
[Serginho se adianta em relação à próxima pergunta]. Este ano estamos com o
Paulo Barros, que é também um ótimo carnavalesco. Muita gente falou que ele não
tinha muita coisa a ver com a Portela, que é uma escola muito tradicional, e o
Paulo Barros é moderno, mas esquecem que a Portela foi a que mais modernizou o
carnaval, conceito de alegoria, comissão de frente. O Paulo Barros está na
escola certa, tem tudo a ver com isso aí.
Portelamor: A Portela tem
tido uma mídia excepcional, tem sido notícia no mundo do samba e, neste
momento, ela volta ao noticiário com a entrada do carnavalesco Paulo Barros,
substituindo Alexandre Louzada. Como você avalia o trabalho feito pelo Louzada
e quais as suas expectativas em relação à entrada do Paulo Barros?
Serginho Procópio: O
trabalho do Louzada foi maravilhoso, muito bem feito e a gente agradece muito a
ele, todo portelense sabe, foi visto. Mas o Louzada segue a vida dele e a
Portela segue a vida dela. E o nosso novo carnavalesco é o Paulo Barros, de
quem a gente espera que faça um carnaval também competitivo, bonito. As duas
coisas estão unidas ali: a tradição da Portela e essa jovialidade do carnavalesco
Paulo Barros, de enxergar as coisas de uma outra maneira. São coisas que se
encaixaram bem. E sou fã do “cara” e só tenho a torcer para dar tudo certo,
todos nós estamos esperando isso.
Portelamor: Serginho, o
que é a Portela hoje? Como você avalia a estrutura atual da escola, os projetos,
presentes e futuros, a saúde financeira da agremiação?
Serginho Procópio: É
nossa obrigação deixar uma escola competitiva, quando terminar nossa gestão,
quando sairmos. Deixar para essa rapaziada nova que está surgindo uma escola
bonita e competitiva, que saiba tratar bem os que por ela passaram, mas que
tenha um olhar para o futuro, um olhar de águia, de lutar por aquilo ali.
Queremos deixar uma boa estrutura para os que virão, para os que vão nascer
ainda. Um dia isso tudo vai ser falado. A gente passa e a escola fica. Passaram
outros, passou Natal, passou Paulo da Portela, passou Candeia, tanta gente boa
já passou e nós vamos passar, mas o que nós fizermos de bom vai ser lembrado,
de bom ou ruim, e a gente quer ser lembrado da melhor maneira possível, por
tudo que a gente criou de bom. Queremos deixar um bom legado para o futuro,
para que as pessoas que virão assumir a escola saibam assumi-la de coração,
porque a Portela é muito mais amor do que outra coisa.
Portelamor: Quais os
maiores desafios no dia a dia da administração da escola?
Serginho Procópio: Nosso
desafio é pagar todas as contas que nos foram deixadas, nosso dia a dia é
saldar isso que a gente herdou. Fazer a escola ser campeã novamente e sanar essa
dívida, que não é nossa, mas é dívida da escola. É tudo que a gente quer para
ver a Portela sorrir melhor. Sorrindo ela já está, mas queremos vê-la sorrir
melhor, é o nosso desafio.
Portelamor: Serginho,
aproveitando que você é um artista do samba, gostaríamos de saber como avaliou nosso
samba-enredo de 2015.
Serginho Procópio:
[Sorrindo] Pôxa! Essa resposta você via pela final do samba aqui na quadra, foi
uma coisa avassaladora, não há o que falar. De 40 julgadores, 39 votos a favor.
A escola queria esse samba. Todos nós estamos muito felizes com esse samba,
samba que realmente impulsionou a Portela [Pergunto se ele assinaria esse samba
e ele sorri e diz que sim, se tivesse feito, assinaria]. Sou até suspeito.
Quando eu concorria a samba-enredo, fiz parte dessa parceria, com Charlles
André e o Celso Lopes. Aí entrou o Noca, que quando acerta na veia não tem
jeito e com a jovialidade do Celso e dos outros parceiros, que são garotos
novos que chegaram, acho que deu tudo certo. Eu digo que é uma pena não ter
ganho esse carnaval com esse samba [Nesse momento, há uma digressão, não
colocada aqui, mas que está no áudio e no vídeo]. E a gente quer contar muito,
não só com esses compositores, mas com todos os compositores que escrevem aqui
na escola, para esse carnaval de 2016. Vamos escrever bem, fazer bem...
Portelamor: Temos
conseguido, nos últimos quatro anos, notas dez para samba-enredo, de todos os
julgadores. Há um temor de que os enredos do Paulo Barros possam causar
problemas para os compositores. O que você pensa a esse respeito?
Serginho Procópio: Como
compositor, não vejo esse “grande desafio”. Vejo que é sempre um desafio
escrever um bom samba. O compositor sempre tem que tentar fazer o melhor. Vai
ser dada uma sinopse a ele e ele vai ler, agora o desafio é fazem um bom samba,
sempre, sempre. É um desafio para a parceria vencedora, para qualquer parceria,
para qualquer um que faça samba, é um desafio. Não tem esse temor, não, porque
é o Paulo Barros. A dinâmica é a mesma: temos que fazer o melhor, visando a
ganhar com o melhor, visando à escola. Uma coisa que eu e meus parceiros
conversávamos sempre que compúnhamos samba é que ali há um filho. Para a gente
não tem quem é o melhor, quem fez isso ou aquilo, tem os compositores que
fizeram o samba. Quando a música nasce é um filho para a gente. Então esse
filho tem que ser muito bem embalado, muito bem criado, muito bem feito, porque
ninguém quer filho feio. Todo compositor tem que pensar assim, que tem que
fazer o melhor, e agora, com o desafio de ter um carnavalesco como o Paulo
Barros, que tem essa inventividade dinâmica na cabeça dele. É um desafio maior
ainda, eu tenho que fazer melhor, mostrar que sou bom, que tenho condições, essa
é a minha visão de compositor: vamos fazer o melhor samba, assim que sair o
enredo, assim que sair a sinopse, fazer o que o carnavalesco está pedindo.
Portelamor: O que a
Portela vai manter e o que será modificado na fase Paulo Barros?
Serginho Procópio: A
essência da Portela não vai mudar, vai continuar, só que com a inventividade do
Paulo Barros. A essência está aí, no coração do Paulo Barros. Na feijoada ele
já viu como o portelense já o abraçou, a Portela já está na veia dele, ele já é
um portelense. Trata-se da maior escola com maior título dos carnavais. É um
desafio para ele, também. É um desafio para todos nós.
Portelamor: Serginho, o
que te dá mais prazer, hoje, no mundo do samba?
Serginho Procópio: Uma
coisa que me dá muito prazer é quando subo nesse palco aí [da quadra], tocando
com a Velha Guarda. É um prazer enorme, pois a música está na minha vida. Outra
coisa que sempre me emociona é quando o Mestre-Sala e a Porta-Bandeira dançam, apresentam
a bandeira. Isso me arrepia, é uma coisa que não sei te explicar de onde vem,
mas ver nossa bandeira sendo empunhada lá na frente, é lindo. É muito bonito.
Portelamor: E o que te dá
menos prazer, hoje, no mundo do samba?
Serginho Procópio:
Fofoca. Fofoca, mentira, essas coisas, não gosto. Acho que ninguém gosta.
Infelizmente, em todo lugar tem.
Portelamor: Dona Dodô, infelizmente
falecida este ano, dizia que a Portela era uma religião. O que você acha dessa
afirmação?
Serginho Procópio:
Concordo com ela, Portela é uma religião. Para todos nós que somos portelenses,
é assim, dessa maneira, “é feito uma reza, um ritual / é a procissão do samba /
abençoando a festa do divino carnaval”. E eu só tenho que concordar. TiaDodô era sábia à maneira dela, ela falava
coisas para a gente e eu ficava pensando depois e ela tinha razão, porque ela
viveu isso tudo aí, ela viu todos os campeonatos da escola, então, o que ela
falava para gente era lei.
Portelamor: E é um ano de
perdas para a escola, Dona Dodô, Tia Eunice...
Serginho Procópio: Tia
Eunice... Ela estava bem “dodói”. Era um doce de pessoa, que doce de pessoa. Eu
tive a oportunidade de em alguns momentos da minha vida deparar com Tia Eunice.
Quando pequeno, quando eu via os ensaios da Velha Guarda, com meu pai, a Tia
Eunice cantando, sempre aquela vozinha bonita, e aquele carinho, junto com a
Tia Doca, com a Tia Surica. Primeiro foi Tia Vicentina, depois ela faleceu e
colocaram a Tia Doca e a Tia Eunice, depois chegou a Tia Surica. A Tia Eunice
era sempre aquele doce de pessoa. Muito triste, a morte dela. Você perder ente
querido é muito triste. Mas ela deixou uma história bonita. Eu ultimamente, nesses
quinze ou dezesseis anos de Velha Guarda, tenho tido muitas perdas, desde o
início: Argemiro, Jair do Cavaquinho, Tia Doca, Tia Eunice, Casemiro. As
pessoas infelizmente têm que partir para que outras nasçam. E assim a Velha Guarda
está sendo substituída. É o ciclo da vida. Só não pode deixar perder a essência
que a Velha Guarda tem.
Portelamor: Estamos quase
encerrando nossa conversa, e nesse momento eu gostaria de tecer alguns
comentários sobre as torcidas da Portela. A Portela, grandiosa, vaidosa, não
cabe em uma só torcida, tem logo três. Nós gostaríamos de saber sua opinião
sobre o papel das torcidas. O que você espera de nós, como torcedor e
Presidente da Portela?
Serginho Procópio: Eu
espero que as torcidas continuem nos apoiando. A gente espera estar no caminho
certo, mas também, de alguma maneira, se nos desviarmos, esperamos que vocês
nos alertem, para que a gente possa voltar ao caminho. O papel da torcida,
hoje, não é só torcer, é fiscalizar. Foi também através da torcida que o
cenário em que a Portela estava mudou. A gente respeita muito todas as torcidas
da nossa escola. O que nos falarem a gente vai passar a observar. O papel da
torcida não é só torcer, é também lutar junto com a gente.
Portelamor: Gostaríamos
de finalmente encerrar pedindo a Serginho Procópio que defina Serginho
Procópio.
Serginho Procópio: É
difícil a gente falar da gente. Procuro ser uma pessoa simples, à minha
maneira, orgulhoso como portelense, como todo portelense é, mas um orgulho bom,
não é aquela coisa vaidosa, que chega a querer ser mais do que os outros. O
orgulho portelense está aqui dentro do meu coração e isso eu vou levar para a
vida toda. E eu quero deixar um grande beijo para toda a nação portelense: “Portela
/ Suas cores têm / Na bandeira do Brasil / E nocéu também / Avante portelenses para a vitória”. É a mensagem.
Portelamor: Muito
obrigado pela honra e pela grande alegria que você dá a nossa torcida, pela
oportunidade que você nos dá de conhecer um pouco mais, não só o Presidente da
Portela, mas o sambista, o artista, e o que pensa o cidadão Serginho Procópio.
Serginho Procópio: Eu é
que agradeço a você, a todos da Torcida Portelamor por essa entrevista. Estamos
aí, juntos, e quero avisar que vamos continuar caminhando, em busca desse
título.
Entrevista concedida a Paulo César Oliveira, na sala da Presidência da
Portela, de 14h às 15h30 do dia 06 de abril de 2015. A entrevista contou com o
apoio técnico de Eduardo Zaqueu de Oliveira Moreno, responsável pelo vídeo,
pela montagem do áudio e das imagens. A entrevista, em breve, estará disponível
no You Tube e poderá ser acessada pelo link, disponibilizado em nosso site.
[i] Festa católica
que celebra a visita dos Três
Reis Magos a Jesus Cristo, que na tradição cristã ocorre no dia 06 de
janeiro. Nos países católicos, a Folia de Reis passou a ser a mais importante
data comemorativa. No Rio de Janeiro e no Brasil, os grupos
realizam folias até o dia 20 de janeiro, dia de São Sebastião, padroeiro do Rio.
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