Em um bate-papo com o SRzd, Samir Trindade, um dos compositores mais premiados do Carnaval falou sobre o modelo de disputa de samba-enredo, futuro da ala dos compositores, Portela e expectativas para 2018. Confira!
Samir, quantos sambas você já fez profissionalmente?
De 2010 para cá, em torno de 25 a 30 sambas. Desde quando eu comecei, lá atrás, uns 50 sambas.
Qual samba seu não foi para a Avenida, mas você quando escuta pensa: este samba merecia ter passado pela Sapucaí?
Foram dois sambas do Império da Tijuca: 2014, o ano do Batuk, e 2015, o ano da Oxum. Até hoje, eu recebo mensagem nas redes sociais sobre estes dois sambas. Tem gente que diz que a minha linha melhor é a afro, o que foi provado na Portela e na Unidos de Padre Miguel, que não é verdade, eu consigo fazer outros tipos de samba também. Mas os dois sambas do Império da Tijuca marcaram bastante.
Quais os compositores você mais admira dentro do Carnaval?
Meu ídolo no samba é o Davi Corrêa. Se me perguntarem, qual o seu ídolo na Portela: Davi Corrêa. Tem também compositores da nova geração… E Martinho da Vila também. Davi Corrêa e Martinho da Vila. São os dois que eu sou muito fã. Da nova geração, tem o André Diniz, o Cláudio Russo, Diego Nicolau… Tem uma série de compositores… Gustavo Clarão. São excelentes compositores.
Em sua opinião, quais são os melhores sambas dos últimos tempos?
Os melhores dos últimos anos em minha opinião Beija Flor 2017, Vila 2012 e 2013.
E quanto aos sambas de sua autoria?
Dos que eu e meus parceiros fizemos e ganhamos, eu considero Portela 2016 e Império da Tijuca 2013 os melhores.
Hoje os modelos de disputa de samba-enredo têm sido criticados, alguns consideram que a fórmula está ultrapassada, que para colocar um samba em uma agremiação se gasta muito dinheiro. Como você vê essa questão?
Realmente o modelo de disputa está cansativo, está ultrapassado. O que deve ser feito é uma valorização maior da qualidade da obra. Eu acho que está tudo muito oneroso, tudo muito caro dentro da disputa de samba. O protagonista da disputa de samba deve ser o compositor, mas o compositor não é o protagonista dentro das disputa de samba. E eu sou super a favor de uma mudança neste modelo atual. Mas para que isso ocorra é preciso uma união dos compositores.
Outra preocupação dos sambistas são os jovens compositores, que muitas vezes não possuem recursos para investir em uma disputa…
A preocupação é muito grande. Mas eu não acho que seja uma exclusividade dos jovens compositores. Existem compositores com recursos e compositores sem recursos. A rapaziada nova chega ainda com maiores possibilidades de entrar dentro do processo do que o pessoal da antiga que não se adaptou ao processo. O cara quando é novo, chega, faz amizade, corre atrás. Pelo menos eu fui assim. É um pouco complicado isso, porque eu saí da periferia, da Baixada Fluminense, fui e corri atrás. O que as pessoas lembram de mim é hoje ter a estrutura, mas a minha história sempre foi de correr atrás. Então, quando o cara tem talento e é bom compositor, fatalmente ele não vai ficar no ostracismo, ele vai aparecer, ainda mais com o advento da internet. Hoje as pessoas reconhecem um bom samba. Em escolas como Mangueira, Salgueiro, Portela, Beija-Flor e Mocidade, enfim, em escolas grandes um bom samba não passa despercebido. A comunidade é apaixonada pela escola. Então, se o cara for bom, se tiver um talento, ele vai se destacar. Eu fico mais preocupado com quem não soube se adaptar a isso e já está aí há muito tempo.
Hoje para se colocar um samba em uma agremiação do Grupo Especial, pensando em todo o processo de disputa, da apresentação à final, qual seria o valor médio para se investir?
Depende da agremiação. Mas a média é de R$ 70 mil. Umas escolas são mais, outras menos. Mas em média são R$ 70 mil para se ganhar um samba.
Algumas agremiações têm optado por encomendar seus sambas. Qual a sua opinião a este respeito?
Cada agremiação faz o que considera melhor para si. Mas minha opinião é que a disputa é saudável, movimenta a agremiação; a disputa tem que existir. A ala de compositores é um alicerce de uma escola de samba. Houve, nos últimos anos, uma reversão: os compositores são desvalorizados. Os grandes fundadores das escolas de samba, das grandes escolas foram compositores. Cartola fundou a Mangueira, Paulo da Portela fundou a Portela, eram grandes compositores. O Zé Katimba fundou a Imperatriz. Com o passar dos anos, esse papel se inverteu com o carnavalesco. Não que o carnavalesco deva ser desmerecido, pelo contrário. O compositor precisa ter o seu valor dentro do Carnaval. O compositor é tão desvalorizado que hoje ele não tem credencial para assistir ao desfile de escola de samba. Ele fica de fora da festa, ele não tem credencial para estar ali junto, ele não tem acesso à Sapucaí. A gente vê hoje rainha de bateria com credencial. Hoje a rainha de bateria, com todo respeito às rainhas, é mais valorizada do que o compositor. E sem samba não tem espetáculo: mestre de bateria tem, diretor de Carnaval tem, rainha de bateria tem. O único que não tem credencial é o compositor. Nos ensaios técnicos e nos desfiles, não se fala o nome dos compositores. É como se não existíssemos.
Caminhamos para a extinção das alas de compositores?
As escolas entendem que o compositor é um prestador de serviço, uma figura terceirizada. Que faz o samba para a escola, tem um retorno financeiro e, após o Carnaval, o vínculo termina ali. O compositor é o corpo da escola, é alma da escola de samba, é a essência disso tudo. Estão colocando a figura do compositor à margem. Não existe escola de samba sem samba. É preciso que as agremiações movimentem o ano inteiro suas alas de compositores. Eu cheguei a comentar isso na Portela: a função de todo compositor após o título da Portela é fazer um samba em homenagem a isso. É falar sobre a escola, sobre seus baluartes, sobre sua história. Ter concurso de samba de roda, samba de terreiro, de samba exaltação. É isso que a ala tem que fazer. Mas, pelo contrário, na maioria dos casos, as pessoas preferem jogar um contra o outro em virtude de vaidade. Compositor é o segmento mais vaidoso do Carnaval. As alas de compositores estão morrendo, porque no meio de cem compositores, tirar três, quatro parcerias que fazem bons sambas é muito, a gente já diz que a safra é uma safra boa. A gente vê agremiações que, nos anos 90, escutando os sambas antigos, tinham dez, quinze sambas excelentes. Hoje a gente tem dois bons e um mediando, em um universo de quarenta sambas… É muito pouco. É muito complicado.
Você vê algum movimento dos compositores para buscar uma valorização do segmento?
Antes, os presidentes de ala de compositores eram representantes dos compositores perante a escola. Eles trabalhavam com ideias. Para você entrar em uma ala de compositores, tinha que fazer samba. Hoje, os presidentes de ala são representantes da escola perante os compositores. Eles chegam nas reuniões de compositores e falam: a gente se reuniu com o pessoal da escola e vai ser isso, isso e isso, tudo bem? Você não pode falar nada. Tem que dizer sim e amém. A verdade é essa. E os compositores de qualidade vão se afastando, porque ninguém aguenta isso. Só quem aguenta é quem quer desfilar na escola de qualquer jeito. Os bons compositores até vão para a disputa de samba, mas quando perdem a disputa, acabam perdendo o vínculo. Ninguém aguenta ficar sem falar nada. Geralmente, reunião de ala de compositores serve apenas para falar amenidades. Teve uma grande escola de samba – não foi a Portela – que na hora de entregar a roupa da ala compositores, o representante da escola falou: vocês não servem para nada. E todos ficaram quietos, ninguém falou nada, porque a grande maioria ali não é compositor, quer apenas ter o status de compositor. É uma vaidade enorme. As pessoas exaltam que estão na escola há tantos anos, que é filho de não sei quem, quem me trouxe foi fulano de tal. O principal não é o tempo em que você está na escola, é o que você pode somar. Realmente é muito complicado.
Você falou que é preciso união dentro do mundo do samba. Você considera os profissionais do Carnaval, em especial os compositores, desunidos?
Olha, em alguns segmentos sim. Acho que o segmento de compositores de samba-enredo é um dos mais vaidosos do Carnaval, um dos mais desunidos. Cada um visa seu próprio interesse. Quando em uma escola começa a disputa de samba, não é só a disputa de samba, eu particularmente já passei por fofoca, intriga, criação de fake na internet… Muito jogo sujo. As pessoas querem derrubar o outro para fazer prevalecer a sua obra. Quando os compositores atentarem que estão no mesmo barco, vão começar a evoluir. Quem tem que escolher o samba é a escola, os segmentos da escola. É uma competição sim, somos adversários, mas deveríamos ser todos amigos. Se tiver que trocar a ordem de apresentação com o outro devido a disponibilidade. Se tiver que deixar um samba entrar uma hora depois do prazo final de entrega, não vai mudar em nada a qualidade do seu samba, se tiver que ganhar, vai ganhar. Mas, infelizmente, o compositor leva tudo para o lado da rivalidade, se ele puder prejudicar o outro para o samba dele prevalecer, ele faz.
Nos últimos dias, muito se falou sobre o modo de como a mídia contribui na divulgação das obras. Em sua opinião, quais as contribuições que a imprensa especializada poderia oferecer dentro das disputas?
Sinceramente, eu acho que a imprensa faz o papel dela. A gente vê vídeos das eliminatórias, a gente vê as disputas de samba na internet. Claro que pode ter ocorrido um equívoco do site em questão; é uma questão muito polêmica de se abordar. Mas entendo que cada parceria é responsável por aquilo que realiza. Eles exporem o que seria fazer é muito mais digno do que, por exemplo, parceria que compra visualização no YouTube. Várias parcerias fazem isso. Ano passado teve uma parceria na Portela que passou de três mil acessos para cem mil acessos. Eu sei que foi comprado. É melhor as coisas às claras do que velado. A hipocrisia é a pior coisa que tem neste mundo do samba.
Samir, uma questão que entristeceu o mundo do samba foi a final da disputa da Portela para o Carnaval 2017. A escola estrava fragilizada por ter perdido tragicamente seu presidente e poucos dias depois ocorreu o episódio dentro da quadra. Hoje como você vê aquele fato?
Foi lamentável. Até hoje eu lamento. O período de disputa são três meses de pura adrenalina. A gente entende as pessoas que ficam inconformadas com a derrota, são pessoas que têm o espírito competitivo e eu também tenho. Mas o respeito tem que estar acima de tudo. O respeito à Portela tem que estar acima de tudo. Até hoje, nunca aconteceu uma retratação, um pedido de desculpas de quem promoveu aquele acontecimento lamentável, ficou como se nada tivesse acontecido. Cada um se isentou das responsabilidades e ficou por isso mesmo. A diretoria mexeu no bolso dos compositores, mas eles, como colegas, nunca falaram nada, não houve uma retratação, não houve nada disso. É muito triste isso, porque não respeitaram o chão da escola. Pessoas que foram criadas dentro da Portela, mas não conhecem as histórias daquele chão, aquele chão sagrado, dos fundamentos que Paulo da Portela pregou como fundamentos da escola e do mundo samba; foi muito triste mesmo. Não pudemos comemorar com nossa família, com nossos amigos e com nossos parceiros dentro da quadra da Portela. Eu espero sinceramente que, em 2018, este tipo de acontecimento não volte a ocorrer e que a disputa seja apenas de samba-enredo e que essas coisa menores fiquem de lado. Que as pessoas se conscientizem, que aprendam com seus erros e tentem melhorar.
Teremos suas obras em 2018 em quais agremiações?
Sobre o Carnaval 2018, certo mesmo é Portela, mas podem vir surpresas por aí. Vamos aguardar!
Fonte: www.srzd.com
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