Se
Antônio Caetano fosse vivo, amanhã completaria 118 anos.
Antônio da Silva Caetano é uma personalidade fundamental para a
história da Portela e para o carnaval carioca. Nascido em 10 de setembro de
1900, filho de João Manoel Caetano e Raquel da Silva Caetano, o jovem Antônio
da Silva Caetano foi, talvez, o principal responsável pelos rumos de nosso
grande espetáculo, inventando traços e códigos que, anos mais tarde,
tornar-se-iam característicos das escolas de samba. Entre os grandes mestres
responsáveis pelo surgimento de nossa expressão cultural maior, Antônio Caetano
merece lugar de destaque. Um nome a ser eternamente reverenciado.
Morador de Quintino, quis o destino que Caetano conhecesse Diva,
jovem moradora de Oswaldo Cruz, e passasse a viver intensamente a vida do
bairro que deu origem à Portela. Era o início da década de 1920. Milhares de
pessoas deixavam o centro da cidade e, graças ao trem, intensificavam a
ocupação dos subúrbios. Um grande contingente populacional proveniente das
zonas rurais do antigo Estado do Rio, do interior de Minas Gerais e de São Paulo
chegava à região de Oswaldo Cruz e Madureira, trazendo manifestações culturais
que formariam o aspecto peculiar da localidade, que se tornaria um produto
híbrido de cultura urbana e rural. Caetano, ou simplesmente “‘Pelado”, para os
amigos mais íntimos, presenciara todas as transformações por que o bairro
estava passando.
Foi através da Marinha brasileira que Antônio Caetano conheceu
várias partes do mundo. O contato com diferentes culturas e povos foi
fundamental na formação do homem, uma oportunidade que raríssimos jovens nos
distantes subúrbios cariocas das primeiras décadas do século XX puderam
vivenciar. A experiência aflorou seus dotes artísticos e logo seu talento se
revelaria, permitindo a Caetano assumir o posto de desenhista da Imprensa Naval.
Ele sabia que seu futuro estava sendo traçado ali, mas certamente não imaginava
a dimensão de seu talento, que viria a influenciar os rumos do carnaval
carioca.
Há muito, Caetano já participava da folia. Integrava em Quintino
os ranchos “Felismina Minha Nega” e “Felisberta Minha Branca”. Participou do
bloco “Baianinhas de Oswaldo Cruz” e por iniciativa sua fundou, ao lado de
Paulo Benjamim de Oliveira e Antônio Rufino dos Reis, o Conjunto Carnavalesco
de Oswaldo Cruz, o primeiro nome de nossa querida Portela.
Antônio Caetano foi o primeiro secretário da Portela. Formou,
juntamente com Paulo e Rufino, o triunvirato que dirigiu o Conjunto
Carnavalesco de Oswaldo Cruz em seus primeiros anos. Aliás, muito do que a
Portela é hoje se deve ao perfeito entrosamento desses três jovens que se
complementavam nas diversas funções.
A maioria dos grandes símbolos que a Portela preserva até hoje
foram concebidos pelo talento de Antônio Caetano. É de concepção do artista a
atual bandeira da Portela. Segundo depoimento dado às pesquisadoras Lígia
Santos e Marília Barboza, Caetano teria se inspirado no sol nascente da
bandeira japonesa. Já as cores azul e branca foram adotadas graças ao manto de
Nossa Senhora da Conceição, padroeira da escola. Idealizou como símbolo, por
acreditar que se tratava da ave que voa mais alto, a águia, até hoje amada por
todos os portelenses. Assim, é graças à genialidade de Caetano que o portelense
pode reverenciar a bandeira idolatrada.
Inspirado nos espetáculos dos ranchos, Caetano trouxe para as escolas
de samba a representação plástica dos temas. Com esse objetivo, usou sua
ilimitada criatividade para desenhar fantasias e adereços, idealizando ainda a
primeira alegoria da história das escolas de samba. Foram de sua criação os
primeiros da Portela, pelos quais sempre procurou maneiras inovadoras de
apresentá-los. Dentre eles, merece destaque o rústico globo terrestre giratório
no enredo “O samba dominando o mundo”, desfile que deu o primeiro título da
história da Portela, em 1935. Caetano, enfim, foi um dos maiores precursores do
moderno espetáculo carnavalesco. Foi a partir das primeiras criações do artista
portelense que o carnaval se desenvolveu. Pelas mãos de Caetano, muitos
materiais passaram a fazer parte do cotidiano de um barracão de escola de
samba. Por tudo isso, ele é considerado por muitos o primeiro carnavalesco da
história do carnaval brasileiro.
Além de idealizar os enredos e trabalhar no barracão, Caetano
também foi um exímio compositor. Sob uma mangueira, por ele próprio
imortalizada em uma pintura, Antônio Caetano compôs “O quanto a paixão é
capaz”, um dos três primeiros sambas da história da Portela. Em 1929, para o
primeiro concurso de samba, ocorrido na casa de Zé Espinguela, no Engenho de
Dentro, Caetano compôs “O sabiá”. Sempre à frente de seu tempo, o samba que
Caetano apresentou no concurso tinha como peculiaridade o fato de apresentar
uma segunda parte, fato bastante ousado para a época e que viria a ser uma
quase regra formal do gênero.
Quando a Portela foi campeã em 1935, Caetano não foi apenas o
responsável pela parte artística do desfile. É de sua autoria o samba “Alegria
tu terás”, uma das duas composições que a escola levou para a Praça XI naquele
ano. Caetano foi um artista completo.
Cabo eleitoral de Paulo da Portela na disputa pelo título de
Cidadão-Samba, Caetano se afastou de sua escola em 1937, mas todos os anos
acompanhava o trabalho de seus seguidores. Em 1941, ele viu, muito emocionado,
diversas criações suas serem revividas quando a Portela contou sua própria história
nos dez anos de desfiles. Naquele ano, a escola conseguiria o seu terceiro
título, dando início à sequência dos “sete anos de glória”, ou seja, a
conquista ininterrupta de sete títulos, entre 1941 e 1947.
Afastado há alguns anos do carnaval, Caetano aceitou participar,
em 1946, dos preparativos da escola de samba Prazer da Serrinha, liderada pelo
polêmico Alfredo Costa. A chegada de Caetano animou a comunidade do Morro da
Serrinha, que acreditava que o reconhecido talento de Caetano poderia fazer a escola
ganhar seu primeiro título. O enredo seria “Conferência de São Francisco”, que
Caetano havia idealizado para a Portela em parceria com Lino Manuel dos Reis.
O samba, de autoria de Mano Décio da Viola e Silas de Oliveira,
deixou Caetano bastante animado. Contudo, na hora do desfile, seu Alfredo
determinou que fosse cantado o samba de terreiro “Alto da colina”, o que deixou
os serranos bastante irritados. O incidente acabou motivando o movimento que
culminou com a fundação do Império Serrano. Caetano participou do surgimento da
nova escola da Serrinha e de suas mãos saíram os traços da famosa bandeira
imperial. Ao desenhar as bandeiras da Portela e do Império Serrano, duas das
mais tradicionais escolas de samba do Rio, Caetano mostrava que estava muito além
das tolas rivalidades que dividiam o mundo do samba.
Artista plástico, dirigente, fundador, carnavalesco, compositor,
criador de nosso símbolo maior, por incrível que pareça, tudo isso ainda é
pouco para definir a importância de Antônio Caetano para a Portela e para o
carnaval brasileiro. Suas contribuições foram além dos muros da Azul e Branco.
Caetano é um dos principais responsáveis pela evolução por que as escolas de
samba passaram em seus primeiros anos e a ele se deve muito, principalmente
quando se trata dos elementos típicos de uma agremiação que sobrevivem até
hoje, como os já citados aqui.
Quando exaltarmos os pioneiros do nosso carnaval, falaremos de
Cartola, Ismael Silva, Paulo da Portela, Heitor dos Prazeres, Carlos Cachaça e
muitos outros artistas famosos. Perto deles, pode ser que Antônio Caetano
figure quase como anônimo, mas sua vida tem a mesma importância daquelas tão
mais reverenciadas como precursores de nosso carnaval.
Antônio Caetano morreu em 18 de novembro de 1982.
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