Alguns bambas nasceram antes de o Bloco dos Arengueiros virar Mangueira. Ou na época em que a Portela era Vai Como Pode. Para lá dos 70, 80, 90 anos — quase a mesma idade das escolas de samba mais antigas do Rio —, são malandros e cabrochas que gingam, dão pernadas, esbanjam molejo ou remelexo na Avenida e pelas quadras. Guardiões dos saberes de uma cultura que desperta paixões que valem uma vida.
E ai de quem vilipendiá-la na frente de Arlete da Silva Fialho, a Dona Suluca, presidente de honra da ala das baianas da Mangueira. A escola tem 90 anos. Ela, 91. Desde mocinha, desfila na Velha Manga. Depois de tantos carnavais, ainda se emociona ao vestir o figurino para a passarela.
— Minha filha às vezes reclama: “A senhora só quer saber de Mangueira”. Nasci em Mangueira. Meu divertimento é na Mangueira.
Minha paixão é aqui. Então, tenho que vir — diz ela, que agora desfila num carro alegórico da escola.
Suluca é irmã do falecido Delegado, primeiro mestre-sala da Verde e rosa. Outro de seus irmãos, Hélio, tocava surdo na bateria. Conviveu com Dona Neuma, Dona Zica e Cartola. Frequentou os sambas do Buraco Quente. Desfilou décadas como baiana. E faz só alguns anos que, após chorar sentada no meio-fio por causa da fantasia pesada, deixou de vestir a saia rodada.
Como diz a letra do samba deste ano da Mocidade Independente, sobre o tempo, se tem bamba, assim como Suluca, que “já não caminha tão depressa", nunca é tarde para sonhar. E no caso dos mais antigos da Estácio de Sá — oriunda da primeira escola de samba, a Deixa Falar —, o sonho é ver a Vermelho e branco de volta à elite do carnaval.
Eunice da Silva, a Chimbinha, de 87 anos, pensa até em pedir uma licença da velha-guarda em 2020, para cuidar da saúde. A não ser que a escola vença a Série A na próxima Quarta-Feira de Cinzas. Seria o motivo para ela desistir de pendurar a fantasia:
— Só de ver o leão (símbolo da Estácio), eu me estremeço toda. Se um dia eu parar, vou chorar na hora do desfile.
A mãe de Chimbinha estava grávida, vestida de baiana, num dia de carnaval perto do Largo do Estácio, quando passou mal e deu à luz a menina. Cresceu no Morro de São Carlos, nos tempos da Cada Ano Sai Melhor, uma das escolas que daria origem à Estácio.
Foi nos sambas que ela aconheceu a amiga Waldice de Souza, de 82 anos. As duas frequentavam o barracão da Cada Ano Sai Melhor, no alto do morro. E nunca mais deixaram a folia. O marido de Wal não gostava que ela desfilasse. Ela ia escondida e promete ir por toda a eternidade:
— Quando eu morrer, já avisei, quero ser enterrada no Cemitério do Catumbi, para ficar pertinho da Sapucaí. Na hora do desfile, vou lá ver a Estácio, e depois volto para o túmulo.
Na Portela, a labirintite até já tirou o baluarte Waldomiro Meirelles, o Seu Mirinho, de alguns desfiles. Mas, da quadra, ele é um dos frequentadores mais assíduos. Como ele diz, cai “dentro do samba”. E carrega, com orgulho, uma história pouco conhecida das origens da Azul e branco.
Fonte: Jornal Extra
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