Dodô da Portela
(Maria das Dores Gonçalves)
Maria das Dores
Rodrigues ficou mais conhecida como a Dodô da Portela. Podia ser chamada
simplesmente de Dodô. Tia Dodô, quem sabe? Ou Dona Dodô. Para o carnaval, e
para os portelenses em particular, foi a mulher mais importante da história da
festa de Momo. Seu percurso vitorioso começou ainda muito cedo. A menina
nascida no município de Barra Mansa, sul do Estado do Rio de Janeiro, em 03 de
janeiro de 1920, mudou-se com a família ainda criança, indo morar no Morro do
Livramento, onde permaneceu por toda a vida.
Ainda
adolescente, Dona Dodô foi trabalhar em uma fábrica de cartonagem, na Rua
Visconde de Gávea, na subida do Morro da Providência. Lá, conheceu Doralice
Borges da Silva, a Tia Dora, frequentadora da antiga “Vai como Pode” de Oswaldo
Cruz. Esta amizade Dodô cultivaria por toda a sua vida. Foi Doralice quem
apresentou o samba a Dodô que, encantada com o ritmo, ao invés dos passos garbosos
da passista, encantou-se com uma componente que rodopiava com uma bandeira. Foi
amor à primeira vista. Dodô se convidou a assumir o posto, na falta de uma
porta-bandeira na escola de Dora. E foi o que aconteceu. A garra e a vontade de
dançar convenceram a diretoria da época a convocar a novata para o carnaval de
1935. Como Dodô era menor de idade, foram providenciados documentos que
falsificavam sua idade, de 15 para 19 anos. A escola havia sido recém-batizada
em maio de 1935, por “sugestão” do delegado Dulcídio Gonçalves, com o nome de
Portela. Assim, o ano de 1935 marcava não somente o primeiro campeonato da
Portela, mas seu batismo com nome definitivo, bem como transformou Dodô na
primeira porta-bandeira campeã dos desfiles oficiais.
A vida da jovem
porta-bandeira seguiu um trajeto de glórias. Dodô dançou até 1956, ano da
passagem do posto para ninguém menos do que Vilma Nascimento, que assume a
partir de 1957. Após 1935 e até 1956, Dodô ganhou mais 10 títulos, incluindo o
lendário heptacampeonato, de 1941 a 1947. De 1957 a 1966, como segunda
porta-bandeira, incluiria em seu currículo um tetracampeonato (1957 a 1960),
mais os campeonatos de 1962, 1964 e 1966. Foram dezoito títulos em um currículo
impressionante, acumulados pela então senhorinha de 46 anos.
Dodô transformou-se
muito cedo em uma das mais importantes figuras da história portelense, mas sua
extensa vida ainda lhe reservaria muitas glórias. Comandou a famosa Ala das
Damas (Estandarte de Ouro, 1991), ganhou uma loja no Portelão, em 1972, onde
recebia turistas, componentes e fãs. Em 2004, fez novamente história na
Avenida, agora na Marquês de Sapucaí, aos 84 anos, como Madrinha de Bateria da
Portela, ganhando mais um Estandarte de Outo, desta vez, o de Personalidade do
Carnaval.
Dodô foi o
exemplo maior de amor e dedicação à Portela, em primeiro lugar, e ao carnaval.
Jamais trocou de escola ou mesmo defendeu o pavilhão de outra que não a azul e
branco de Madureira. Mulher forte, sem travas na língua, foi crítica das
administrações desastrosas que infelicitaram a Portela, mas nunca abandonou a
águia altaneira. Sua luta foi lá dentro.
O amor que Dodô
dedicou à Portela e à preservação do legado – a bandeira de 1935, o Troféu
Caxias, dentre títulos, objetos e distinções, guardados com zelo, em sua casa
no Morro da Providência – foi outro lado da personalidade ímpar desta senhora
que nos deixou em 06 de janeiro de 2015, pouco depois de completar 95 anos. Foi
personalidade admirada e querida pelos sambistas e amantes do carnaval.
É pena que, de
seu legado e de seu acervo, não tenhamos hoje notícias alvissareiras. Permanece
obscuro o destino de itens de sua coleção de peças que contam uma importante
parte da história portelense, como a bandeira de 1935 e os troféus, sendo o
Caxias o mais importante. Sua residência, transformada em museu, a Casa de Dona
Dodô (Foto), hoje tem um destino tristemente incerto, nebuloso.
O cuidado com o
patrimônio dessa lendária mulher é um dever cívico, especialmente em um país no
qual a memória é destratada sem qualquer cerimônia. É com tristeza e indignação
que se lê nos jornais o depoimento de Cosme Fellipsen, guia turístico e morador
da Providência:
“Dona Dodô é cria aqui do morro e foi a primeira
porta-bandeira da Portela” – informa Cosme – “O prefeito removeu Dona Dodô da
casa dela e colocou ela numa casa ao lado. Ela tinha várias informações sobre o
samba, sobre o morro e agora que ela morreu não está sendo preservada a
história. Já mudaram tudo o que tinha lá dentro e vão alugar a casa. É a não preservação
da história do povo” (PEREGRINO, 2018).
Malfadado destino
de um legado de vida construído ao longo de 80 anos.
Mas a história
vencedora de Dodô, essa não podem destruir, apagar. Dodô será eternamente o
maior ícone da Portela e um dos maiores símbolos do carnaval carioca. Esta
águia negra, bailarina que nos presenteou com tantas glórias, resiste e existe
em nossos corações.
Que seja
preservada em nossos corações a lição e a herança de Dona Dodô, baluarte maior
da Portela.
BIBLIOGRAFIA CRÍTICA
MOTTA, Aydano
André. Onze mulheres incríveis do
carnaval carioca: porta-bandeiras. Rio de Janeiro: Verso Brasil, 2013.
OLIVEIRA, Paulo.
Dona Dodô: um romance. http://portelamor.blogspot.com/2018/01/dona-dodo-um-romance.html. Acesso em 29 de dezembro de 2018.
______. Dodô, da
Portela, de todos nós. http://portelamor.blogspot.com/2017/01/salve-nossa-eterna-rainha.html. Acesso em 30 de dezembro de 2018.
PEREGRINO,
Miriane. Museu aberto do Morro da Providência completa 11 anos. https://jornalocidadao.net/museu-aberto-do-morro-da-providencia-completa-11-anos/. Acesso em 30 de dezembro de 2018.
PORTELAWEB. http://www.portelaweb.org/. Acesso em 03 de outubro de 2018.
VIEIRA, Isabel.
Morre Dona Dodô, porta-bandeira número 1 da Portela. http://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2015-01/morre-dona-dodo-da-portela. Acesso em 23 de dezembro de 2018.
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