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sábado, 19 de março de 2016

Procópio vai deixar presidência da Portela: ‘Não fui o cara, nem quis ser’

Por Redação

No Brasil inteiro, o assunto da vez é política e os rumos do país com os aparentemente intermináveis desdobramentos da operação “Lava-Jato”. Enquanto a presidente Dilma Rousseff se esforça para tentar contornar a enxurrada de denúncias contra o governo, no mundo do samba a disputa pelo poder maior de uma escola tem um cenário bem menos turbulento.

Se nas bandas de Brasília o ritmo anda pesado, em Madureira o clima eleitoral é marcado pela calmaria. O atual presidente da azul e branco não sofreu nenhuma pressão para, no popular, “largar o osso”. Ainda assim, Serginho Procópio, de 48 anos, está decidido a deixar a presidência da agremiação, que terminou o Carnaval deste ano em terceiro lugar, após um elogiado desfile que fez a escola sair da Sapucaí aclamada e aos gritos de “É campeã”.

Em maio, haverá nova eleição na Portela. E o atual mandachuva portelense garante que não estará no páreo.

– Nunca quis ser presidente – afirma ao Sambarazzo, três anos depois de comandar a escola-xodó de bambas como Paulinho da Viola.

Músico dos mais apaixonados pela arte de cantar e compor, Procópio revela que o desejo de presidir a Portela não partiu do próprio sambista, que afirma jamais ter tido pretensões políticas dentro da escola de coração. No entanto, para dar fim à chamada “Era Nilo Figueiredo”, que durou oito anos e teria deixado a instituição afundada em dívidas, ele topou o convite para ser o principal nome da chapa vencedora do pleito de 2013, que teve como vice-presidente Marcos Falcon, atualmente uma grande liderança portelense, e Monarco, maior nome da Velha Guarda da escola e uma das maiores referências do Carnaval carioca, como presidente de honra.

– Estou fechando um ciclo. Não venho candidato, não quero ser candidato a nada. Estou deixando a administração, a direção da escola, pra cuidar um pouco da minha vida. Em três anos, a gente pode ver a melhora da escola, que era nosso principal foco, né? Há três anos, quando me convidaram pra participar, a gente não tinha muita noção do que ia ser, não tinha um candidato. Na realidade, nem eu queria ser presidente. Eu nunca quis ser presidente. Mas a Portela precisava de alguém que tivesse uma notoriedade, que fosse uma pessoa séria, então chegaram até mim. E a gente decidiu que eu seria o candidato. Nesse momento eu aceitei, lutei junto com todo mundo, convidei o Monarco pra ser presidente de honra, nesse dia foi até engraçado… ele me perguntou: ‘Mas quem vai ser o candidato a presidente?’. E eu falei: ‘Sou eu’. Aí, a gente se abraçou… Nós rimos e nos abraçamos. Foi muito legal, porque eu considero o Monarco como o meu pai, já que o meu pai era muito amigo dele e eu entrei na velha guarda a convite dele e do Casquinha, em 1999. Então, me senti abraçado por ele. E nesse momento deixei um pouco a minha vida de lado, pra me dedicar e lutar pelas coisas da escola, embora não soubesse muitas coisas sobre administração – argumenta.

Em três anos à frente da Portela, Serginho e a diretoria quitaram R$ 13 milhões em dívidas

Apesar da inexperiência, Serginho Procópio e Marcos Falcon conseguiram, juntamente com a equipe que formaram, modificar consideravelmente o quadro financeiro da Portela.

– Nosso primeiro foco era tirar o pessoal que estava fazendo mal à escola. E embora tenham sido apenas três votos de diferença na eleição (a chapa de Serginho Procópio derrotou a de Nilo Figueiredo por 154 a 151 votos), nós conseguimos. Pegamos a Portela com R$ 14 milhões de dívidas. Hoje, acredito que esta dívida esteja em torno de R$ 1 milhão. Trabalhei mais a parte administrativa. E essa dívida, espero que todos saibam, não foi causada por nós. Essa herança maldita atrapalhou o nosso trabalho. Mas não estamos aqui pra ficar culpando ninguém. Já que assumimos isso, então o que nós fizemos foi trabalhar pra que as dívidas fossem pagas e pra que a Portela voltasse a lutar pelo título. Acho que isso nós conseguimos fazer – destaca.

“Meu patrimônio não aumentou, não utilizei o dinheiro da escola pra nada”

Enquanto os cofres portelenses tiveram um respiro e passaram por uma considerável transformação, a conta bancária de Serginho Procópio não sofreu grandes alterações desde que assumiu o comando da maior campeã do Carnaval. A fim de mostrar a transparência de sua administração, ele avisa a quem interessar: vai sair da presidência da mesma forma que entrou, tirando o sustento da família exclusivamente da música, sem qualquer novidade em relação a patrimônios.

– Entrei na Portela com amor, e estou saindo com amor. Aliás, não estou saindo da Portela, só da presidência. Entrei pela porta da frente e estou saindo pela porta da frente, pra, na hora que eu quiser, eu voltar a entrar por ali. Não tenho briga com ninguém, estou saindo porque é o que quero. Estou feliz por isso tudo. Acho que nos últimos 20, ou mais anos, sou o único presidente da Portela que não saiu rejeitado pelos portelenses. Prezo muito por isso. Quanto ao patrimônio, entrei da mesma maneira que estou saindo. Meu patrimônio não aumentou, não utilizei o dinheiro da escola pra nada, que isso fique bem claro. Continuo trabalhando como músico. Muitas vezes, enquanto presidente, tive que me ausentar da Portela pra trabalhar, porque o sustento da minha família não vem da escola, vem do meu trabalho – assegura.

“Lamento não ter feito a Portela campeã”

Apesar de decidido a deixar o cargo, Serginho Procópio acha que faltou concluir alguns desejos à frente da escola. Ele queria muito, enquanto dirigente, ter feito a escola voltar a vencer Carnaval e quebrar um jejum de mais de três décadas sem levar a melhor numa disputa.

– Lamento não ter feito a Portela campeã. Esse título, que era tão sonhado entre a gente… Nós conseguimos um quinto lugar com gosto de terceiro (2015), e um terceiro com gosto de primeiro (a Portela deixou o desfile de Segunda-Feira de Carnaval deste ano aclamada, aos gritos de ‘É campeã’). Lamento muito não termos conseguido isso pra Portela. Acho que a Portela tem a torcida que mais precisa desse título, até pra tirar essa história de que portelense só vive de passado, né? Nosso passado realmente é muito forte. Mas o nosso presente é uma escola que luta por título. Ela andou muito tempo parada porque existiram administrações errôneas, que fizeram com que a escola caísse nesse ostracismo aí. Então, lamento muito não ter conseguido junto com meus companheiros fazer a Portela campeã. Mas ao mesmo tempo eu fico feliz, porque hoje vejo que a Portela está lutando pelo título, e sinto que não vai demorar muito a conquistar esse tão sonhado título. Esse tão sonhado 22º. O caminho é esse, ela já tá no caminho. Mais cedo ou mais tarde, vai aparecer – torce.

Procópio diz que seria imbecilidade alguém querer disputar eleição com Falcon

Na avaliação de Serginho Procópio, o melhor nome para assumir o lugar que deixará em breve é o do vice-presidente Marcos Falcon.

– Por tudo que tem demonstrado, o Falcon é a frente de liderança. Pelo carinho, pelo empenho. Quando souberem que vou sair, as pessoas vão me perguntar: ‘Você vai apoiar quem?’. Mas acho que nem precisa de apoio meu, não precisa nada. Sou uma pessoa muito na minha. Não acredito que depois de todo o trabalho que tem sido feito possa aparecer uma oposição. Seria muito imbecil da outra parte. Se aparecer…Não acredito que alguém tenha coragem de botar chapa, por tudo que se mostrou na escola nesses três anos. Será que precisa de oposição? Eu acho que não precisa dividir a escola agora. Acho que não precisa disso – pontua o atual presidente.

Pouco vaidoso, Procópio não se deslumbrou com o cargo de presidente

Com uma gestão marcada pela discrição, Serginho Procópio afirma não ter se deslumbrado hora nenhuma com a função de comandar a escola e pouco fez uso do “poder’ de um comandante. Quando os mais chegados pediam camisa para desfilar, por exemplo, muitos levavam um sonoro “não” como resposta.

– Sempre me coloquei como mais um ajudando. Não que eu fosse o presidente, algo mais. Sempre deixei isso claro pra minha família. Sobre os pedidos, os que eu podia atender, atendia. Os que não podia, era não e pronto. Eu vivo da minha sinceridade. Não posso, não posso. Já recebi pedido de tudo quanto é jeito. As pessoas vinham e falavam ‘eu quero desfilar, mas não quero sair em ala, quero roupa de diretoria. Você vai conseguir pra mim.’. E eu dizia ‘Eu? Eu não.’. Eu não tô ali pra isso, pra conseguir roupa de diretoria pra ninguém. Pode ter certeza que, nos três carnavais, o que consegui de roupa pras pessoas desfilarem foi muito pouco. Com o passar do tempo, passaram a não me pedir – confessa.

Tão logo saia do comando portelense, Serginho Procópio voltará as atenções exclusivamente à carreira musical.

– Quando entrei, me programei pra ficar três anos. A minha vida inteira sempre amei fazer o que faço. Eu sou músico. Sou compositor, desde que gravei minha primeira música, que foi com o Zeca Pagodinho (“Mafuá de Iaiá”, em 1991), não foi uma música de grande sucesso, mas foi a primeira música que gravei. Hoje, já são umas 250 músicas, então sempre me programei pra ser músico. É o que amo fazer. Ser presidente não me atrapalhou, até porque era um ideal fazer a escola que eu amo, sou portelense desde que nasci. Sempre convivi ali dentro, com os mais renomados bambas que existiram na Portela, eu tive contato com eles, digamos assim. O amor que eles tinham é o amor que eu tenho. Não acredito que tenha me atrapalhado, mas me parou um pouco. Fiz um CD há três anos, que foi até indicado ao Prêmio da Música Brasileira, e eu não tive como trabalhar o disco. Embora tenha sido um disco independente, também nunca me dei a liberdade de fazer o lançamento do meu CD na Portela, porque eu achava que estaria explorando a Portela com meu trabalho musical, e não quis que as pessoas achassem isso. Nunca quis me aproveitar disso. Então, não trabalhei o meu CD. Passados três anos, quero trabalhar isso – adianta.

Com medo de críticas, dirigente não sabe se voltará a disputar samba na Portela

Embora tenha a música como maior paixão, Procópio ainda não está certo de que voltará a participar, como compositor, de concursos de samba-enredo na Portela, que este ano terá um concorrente ilustre, o cantor Diogo Nogueira.

– Não deixei de ser compositor da escola. Mas acho que nesse momento não seria muito legal, mesmo que eu fizesse o melhor samba, por eu ter participado dessa gestão, que acho que vai continuar, as pessoas vão achar que houve alguma ‘maracutaiazinha’ pra ganhar, e não estou aí pra ficar sendo acusado de nada – revela.

O dirigente, que após se afastar da presidência permanecerá como integrante da velha guarda portelense, lamenta não ter atuado de forma mais ativa na parte musical da azul e branco:

– Poderia ter assumido mais esse lado. Tenho conhecimento daquilo ali. Por pensar muito, acabei não fazendo. As pessoas podiam achar que eu estava querendo aparecer. Queria ter me doado mais ali, ajudado mais a escola, mais o carro de som. Eu poderia ter ajudado mais. Não digo em relação à contratação de intérpretes, porque os contratados foram muito bons, mas poderia ter ajudado na parte musical, na realização do trabalho. Acho que houve muitos problemas de relacionamentos que eu poderia ter trabalhado isso aí. Poderia ter sido melhor.

Serginho já comunicou sua saída a Monarco e Falcon

A decisão de deixar a presidência foi tomada em outubro do ano passado, quando Serginho Procópio conversou com Falcon para alertar sobre o desejo de não continuar no comando portelense:

– Praticamente, já estou na chapa (apoiando). Acabo sendo membro nato do conselho, assim como Carlinhos Maracanã, Nilo Mendes Figueiredo (ex-presidentes). A primeira pessoa que comuniquei sobre minha saída foi o vice-presidente, Marcos Falcon. Fiquei até surpreso quando ele disse que também não queria mais. Mas, mesmo que ele não quisesse, minha decisão já estava tomada. Aí, perguntei: ‘E agora, como vai ser?’. Claro que naquele momento, outubro, não era o momento pra dar esse tipo de entrevista, não seria legal, o foco era o Carnaval. Agora, é um momento mais calmo. Hoje a Portela tá em outro caminho, não precisa tanto de mim. Tenho a noção que eu ajudei. Não fui o cara, nem quis ser. Mas fui um grão de areia. Se dissesse que estava naquela praia de quem ajudou, eu era um grão de areia, e ajudei.

“Estou deixando a presidência, não a Portela”

Por fim, Serginho Procópio faz um agradecimento emocionado aos torcedores da Portela, na expectativa de que todos entendam sua vontade de cuidar melhor da carreira musical.

– Quero agradecer a todos os portelenses, durante esses três anos. Tem muito amor envolvido nisso. Continuo amando, respeitando a escola. Sou uma pessoa emotiva. Acho que todas as vezes que eu beijei a minha bandeira eu chorei. Mesmo que não demonstrando, por dentro eu estava emocionado. Estou deixando a presidência, não a escola. Tenho o maior respeito pela Portela, pelas tradições. E venho pedir que os portelenses continuem amando e apoiando a escola. Muito obrigado por tudo. Pode ser que alguém ame tanto a Portela quanto eu. Mais do que eu…essa pessoa certamente não existe – conclui Serginho Procópio.


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