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segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A importância da imprensa para o carnaval

Por Brubo Fillipo

Nesta terça-feira, 30 de agosto, quatro profissionais da imprensa carnavalesca reúnem-se para debatê-la. Aloy Jupiara, Eugênio Leal e Fábio Fabato estarão no Centro de Referência do Carnaval da UERJ participando de mais um evento da série “Bate-papo de Carnaval”, cujo tema será a relação da imprensa com a folia.

A mediação será Felipe Ferreira, um jornalista que trocou as redações pela academia e hoje, alçado à condição de um dos mais importantes pensadores contemporâneos do carnaval devido à qualidade e à coerência de suas obras, coordena na Universidade do Estado do Rio de Janeiro esse importante espaço para a discussão da temática do
Discutir a imprensa, sobretudo a imprensa carnavalesca, é tarefa tão necessária quanto sujeita à má-fé.

É necessária porque ela, cada vez mais no mundo digital fragmentado e interativo, deixa de ser um retrato da realidade para formar uma realidade, moldar um discurso que retratará, exatamente, esta realidade. E está sujeita à má-fé por dois fatores: o espírito de corporação, que enxerga nas críticas sempre um atentado à liberdade de imprensa; e o espírito autoritário, presente em autoridades, governantes e instituições, que faz das críticas à imprensa um argumento em defesa do cerceamento de sua liberdade. É um círculo que se fecha. Como quebrá-lo?

Senti na pele as duas más-fés: há alguns anos, quando critiquei o comportamento de setores da imprensa carnavalesca, cheguei a ser agredido verbalmente por um colega. E já perdi a conta de quantas vezes recebi críticas em tom ameaçador devido a textos que desagradaram a alguns poderosos. Foi o que me moveu a criar, juntamente com Vicente Datolli, o curso de “Cobertura Jornalística do Carnaval” nas Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), que já vai para a quinta turma.

Como forma de contribuição a este debate, publico abaixo um texto de minha autoria que é distribuído em forma de apostila aos alunos do curso. Traça um panorama histórico da relação entre imprensa e carnaval. É uma versão mais expandida de uma coluna publicada neste espaço em resposta à polêmica que causou minha crítica à imprensa de carnaval.

Sem os jornais, as revistas, o rádio e a televisão, o carnaval jamais teria conquistado a importância de que desfruta atualmente. Até o início do século XX, a mídia imprensa era a única responsável por divulgar, organizar e patrocinar bailes, desfiles e outros eventos. Funcionava, também, como campo de batalha ideológica das classes sociais que se viam representadas pelas diversas manifestações carnavalescas.


Na disputa pela legitimidade do espaço público que estas ocupavam, escritores, intelectuais e jornalistas engajavam-se por intermédio das páginas de jornais.


Uma incipiente indústria cultural – impulsionada pelo fonógrafo, pelo sistema de gravação elétrica de discos e pela expansão das emissoras de rádio e pela indústria cinematográfica – fixou o samba como gênero e o carnaval como uma festa musical,  com obras compostas especialmente para a folia. “Por muito tempo, foram cantadas no carnaval carioca coisas sem qualquer sentido carnavalesco. Cantigas de roda, hinos de guerra, canções folclóricas, trechos de óperas, árias de operetas, e até fados lirós”, escreveu Edigar de Alencar em
O carnaval carioca através da música.

Não fosse indústria cultural, a Era Vargas não teria feito do samba um elemento integrador e sincrético, definidor de uma brasilidade brejeira e malandra, mas ao mesmo tempo ordeira, trabalhadora e passiva. O samba não se teria transformado numa questão de Estado se, paralelamente à chegada de Getúlio Vargas ao poder, não tivesse havido o extraordinário desenvolvimento dos meios de comunicação de massa.


Samba e indústria cultural, para a contrariedade dos puristas, estão entrelaçados - mas não por uma força alienígena que lhe rouba a autenticidade e a pureza.


O carnaval segregado contradizia o projeto de exploração do inconsciente coletivo nacionalista. Era preciso haver, além do ritmo, uma festa, um ritual que representasse o Brasil. As escolas de samba, como se sabe hoje, ocuparam esse espaço.


Mas não no mesmo período histórico do samba. (Samba e escola de samba, embora ligados historicamente, não são a mesma coisa) Antes delas, o carnaval das marchinhas, do bailes, dos sambas, dos bondes e das ruas –
glamourizado pelas chanchadas - era o ponto máximo do “tríduo momesco”.

***


No domingo de carnaval de 1932, o jornal Mundo Esportivo circulou com esta manchete: “A alma sonora dos morros descerá para a cidade.” Escrita pelo jovem jornalista Nélson Rodrigues, noticiava o primeiro desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, realizado na Praça Onze e vencido pela Mangueira. A idéia de promover uma competição entre as escolas de samba – que já se apresentavam espontaneamente, sem caráter competitivo – fora do jornalista Mário Filho, irmão de Nélson e proprietário do jornal, para preencher o noticiário no período de entressafra de competições esportivas.

A manchete do
Mundo Esportivo demarca o território urbano ao qual, no imaginário social das classes altas e médias, o samba e as escolas estavam à época associados - a despeito do debate, travado posteriormente entre estudiosos da música brasileira, sobre se o samba carioca nasceu no morro, no asfalto ou na Bahia. Até 35, quando o desfile foi oficializado pela prefeitura do Distrito Federal, os jornais do Rio cumpriram o papel de organizá-lo. E, quando o poder público passou a fazê-lo, os jornais não deixaram de participar de maneira institucional.

À imprensa escrita, de que eram leitores os mais favorecidos econômica e intelectualmente, cabia a mediação entre dois universos sociais distintos, como que a mostrar que era curta a distância entre eles. Assim, publicavam-se reportagens ou crônicas sobre o carnaval assinadas por grandes literatos e pelos principais jornalistas do Brasil. “(...) dentre todos os grupos e instituições que aprofundaram suas relações com as escolas de samba nesse período, a que interveio mais diretamente na vida das escolas foi a imprensa, ao contrário do pensamento que acopla a oficialização com uma suposta dominação das mesmas pelo Estado”, afirma o geógrafo Nélson da Nóbrega Fernandes em
Escolas de Samba: sujeitos celebrantes e objetos celebrados.

Os anos 60 não foram revolucionários apenas na política, na música e nos costumes. Imprimiram mudanças radicais no carnaval brasileiro: transformaram em cinzas o carnaval das marchinhas e dos bondes, deram impulso às escolas de samba para que se juntassem ao samba como representação nacional. E, mais uma vez, lado a lado dessa “revolução carnavalesca” estava uma nova etapa do desenvolvimento das comunicações no Brasil.


As rádios – que estavam se adaptando a uma nova realidade, depois do surgimento da televisão – passaram a abriram o microfone para as escolas. Com o advento do videotape, no início dos anos 60, as emissoras de TV passaram a transmitir flashes dos desfiles das escolas de samba, ainda na Avenida Rio Branco. Pelo que se tem notícia, a TV Continental fez a primeira transmissão em
flashes, em 1960. O surgimento da TV em cores, em 1972, fez com que as emissoras de TV dessem mais espaço ao desfile: num primeiro momento, aumentaram a duração dos flashes; depois,
passaram a transmiti-lo integralmente.

Há consenso entre os estudiosos da comunicação acerca do papel primordial da televisão no processo que galgou as escolas de samba à posição que ocupam hoje. A transformação de uma manifestação artística num espetáculo não poderia ocorrer sem a transmissão de imagem. Tampouco se daria numa imagem em preto e branco.


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A associação entre escolas de samba e televisão ensejou um discurso ideológico. Transmitido em rede nacional, o desfile tornou-se a metonímia do Brasil. Tornado espetáculo, institucionalizado, o desfile, agora,
prescinde da mediação da imprensa. Precisa é de um tipo de divulgação: a linguagem do espetáculo. Assim, tudo o que não seja para exaltar, valorizar, glorificar, sempre numa retórica grandiloqüente e majestática, é visto como uma ameaça ao que nos faz conhecidos, um complô - sabe-se lá por que - destinado a usurpar do povo brasileiro sua principal festa.

As grandes empresas de comunicação, que cada vez dedicam menos espaço ao carnaval, desviaram sua cobertura. Já não interessa o velho sambista, o enredo da escola, o universo social e cultural das agremiações. O foco está nas celebridades, nas famigeradas rainhas e madrinhas de bateria, nos carnavalescos, nos destaques que desfilam luxuosos ou despidos. Não é um juízo de valor: é um juízo de fato.


A imprensa carnavalesca cindiu-se em duas vertentes: a que é refratária à mercantilização e às inovações, totalmente insensível ao fato de que as escolas sempre estiveram em constante mutação; e a entusiástica, que se derrama em elogios e defende a “modernidade” do carnaval carioca, fazendo apenas críticas pontuais (a escola não desfilou bem, a bateria atravessou, a harmonia não segurou o componente, o enredo era ruim). Pouco se observam, tanto numa quanto noutra, críticas às estruturas do carnaval.


Porque é este o problema da imprensa carnavalesca: como se comportar neste novo momento histórico da relação entre mídia e carnaval. Não é um problema pessoal. Bons e maus profissionais existem em qualquer atividade. Fulanizar o debate é fugir dele: dá a impressão de que, extirpando-se os maus, resolve-se o problema.


O seja “espetacularizado”, do que não seja show, ou seja, do que não seja televisivo. Por isso, as cenas se repetem a cada carnaval: as cabines de rádio são instaladas num lugar desrespeitoso, em que os profissionais não conseguem acompanhar o desfile; não há lugar adequado para profissionais da imprensa escrita; fotógrafos e repórteres disputam a tapa um lugar no computador da sala de imprensa; representantes de
sites – nos quais se concentram as discussões mais aprofundadas sobre carnaval – com acesso restrito ao desfile; trogloditas cerceando o trabalho de jornalistas, por vezes agredindo-os. E, por fim, a sugestão, feita durante a coletiva do presidente da Liesa, de que os jornais passassem a pagar para fazer a cobertura no Sambódromo.

O espetáculo chegou a um nível que prescinde do que não seja “espetacularizado”, do que não seja show, ou seja, do que não seja televisivo. Por isso, as cenas se repetem a cada carnaval: as cabines de rádio são instaladas num lugar desrespeitoso, em que os profissionais não conseguem acompanhar o desfile; não há lugar adequado para profissionais da imprensa escrita; fotógrafos e repórteres disputam a tapa um lugar no computador da sala de imprensa; representantes de
sites – nos quais se concentram as discussões mais aprofundadas sobre carnaval – com acesso restrito ao desfile; trogloditas cerceando o trabalho de jornalistas, por vezes agredindo-os. E, por fim, a sugestão, feita durante a coletiva do presidente da Liesa, de que os jornais passassem a pagar para fazer a cobertura no Sambódromo.

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Entre os anos 50 e 80, a imprensa carnavalesca abrigava profissionais que se destacavam como críticos culturais, produtores e pesquisadores. Em suas fileiras pontificavam J.Efegê, Sérgio Cabral, José Carlos Rêgo, Juvenal Portela, Haroldo Bonifácio, Moacyr Andrade, Lena Frias, Roberto Moura, Adelzon Alves, Cláudio Vieira, Juarez Barroso, Roberto Barreira, Luiz Lobo, entre outros.


Mudou o carnaval, mudou o mundo, mudou o jornalismo. Uma plêiade de notáveis analistas culturais vicejava na imprensa. Na crítica cinematográfica, um Paulo Emílio Salles Gomes, um Moniz Vianna, um José Lino Grünewald. Na teatral, um Yan Michalski, um Décio de Almeida Prado.


Na literária, um Álvaro Lins, um Oto Maria Carpeaux, um José Guilherme Merquior. Na de artes plásticas, um Ferreira Gullar, um Mário Pedrosa. Na televisiva, um Fausto Wolf, um Artur da Távola. Na política, um Castelinho, um Villas-Bôas Corrêa, um Marcos Sá Corrêa. Na esportiva, um Armando Nogueira, um Nélson Rodrigues, um Mário Filho, um João Saldanha.


O jornalismo hoje é mais superficial. Não que não haja jornalistas capazes de redigir um texto mais analítico e reflexivo. É que o leitor, também, é menos analista e reflexivo, mais massificado no que isso tem de pior, que é a perda das referências que dão sentido a uma obra.


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Será que o epílogo desta história será o desaparecimento da crítica carnavalesca? O jornalista Alberto Dines, em texto publicado há dois anos, diagnosticou-lhe a morte:
O fenômeno mais interessante é o desaparecimento nas redações dos catedráticos do samba e das tradições populares. Cada redação tinha os seus (espalhados nas diversas editorias, mas convocados a partir de janeiro para a missão especial). Nem todos boêmios, a maioria engravatada, mas capazes de cantar as marchinhas de 20 anos atrás, citar enredos, nomear os mais famosos mestres-salas e garbosas porta-bandeiras.

Esses carnavalescos eram os escudeiros das tradições, memória e pauta. Jornal e Carnaval andavam juntos e todos ganhavam, sobretudo os leitores. Ficou tudo reduzido à questão da escala e dos plantões, quem trabalha e quem folga, quem cobre os camarotes e quem faz a corrida dos hospitais ou estradas.

Uma nova geração da imprensa carnavalesca, formada por jovens e competentes jornalistas e amantes do carnaval, está em atividade. (Alberto João, Raphael Azevedo, Fred Soares, Leonardo Bruno, Valéria Porto, Eugênio Leal, Cássia Valadão, Raphael Lemos, Giselle Santanna, Fábio Silva, Renata Onaindia, entre outros). Têm a missão de conciliar a exigência do público com a visão crítica aguçada que possuem, de não reduzir a cobertura de carnaval à escala dos plantões. Cabe a eles reescrever um novo momento histórico, bem diferente do atual.
Fonte: O Dia na Folia

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