Translate

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Economista da FGV escreve artigo sobre a importância do carnaval para o Rio de Janeiro

Por Redação Carnavalesco
Por Marcel Balassiano (Economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas – FGV IBRE)
O carnaval brasileiro, das diferentes cidades em que ocorre, pode ser analisado sob diversas óticas. Carnaval é cultura, carnaval é festa, carnaval é entretenimento, carnaval é turismo, e sim, carnaval também é economia!! No Rio de Janeiro, há centenas de blocos nas ruas (foram quase 500 em 2019, e mais de 600 em 2018) atingindo um número de mais de cinco milhões de pessoas; e os desfiles das escolas de samba, considerado por muitos como “o maior espetáculo da terra”!! Sobre a economia do carnaval relativo às escolas de samba que vou tratar nesse artigo.
Para aqueles menos acostumados com o “mundo do samba”, podem pensar que o carnaval acontece somente em fevereiro (ou março, dependendo do ano). Mas não, durante o ano inteiro ocorrem etapas e eventos que chegam, finalmente no ápice, que é o desfile na Marquês de Sapucaí. Durante o ano inteiro, milhares de ferreiros, costureiras, artistas plásticos, pessoal da faxina, segurança, carnavalescos, cantores, entre diversas outras funções, trabalham nos barracões e quadras das escolas de samba. Na etapa inicial, da concepção do enredo, com historiadores, jornalistas, até a confecção prática das fantasias e carros alegóricos, muito dinheiro é movimentado e emprego gerado por esse importante setor da economia.
Segundo dados da Riotur, o carnaval passado movimentou R$ 3,8 bilhões na economia do Rio de Janeiro, com mais de um milhão e meio de turistas na cidade, com uma ocupação da rede hoteleira de mais de 90% durante o período carnavalesco. Claro que muitos desses turistas que vêm para o Rio no carnaval não assistem aos desfiles, ficam somente nos blocos mesmo. Mas, grande parte dessa imagem turística de carnaval do Rio, veio por causa das escolas de samba, muito tradicionais, com décadas de história. E, na média, os turistas que vem para o Rio assistir aos desfiles gastam mais dinheiro na cidade do que o turista médio de bloco.
Na edição de 2019 da revista “Ensaio Geral – Informativo Oficial da LIESA”, há uma seção chamada de “A força do carnaval carioca”. Lá consta uma série de importantes números sobre o impacto econômico (direto e indireto) do carnaval carioca na economia do Rio de Janeiro, de uma pesquisa da FGV a pedido do Ministério do Turismo, com dados de 2018. Os impactos diretos são hospedagem, alimentação e bebidas, transporte local, passeios e atrativos e compras. Já os indiretos, são indústria fornecedora de insumos, treinamento, imobiliário, hospitais, entretenimento e logística. O impacto na economia foi de R$ 3,0 bilhões (R$ 3,8 bilhões em 2019), com a criação de mais de 70 mil postos de trabalho, gerando uma arrecadação de impostos de R$ 179 milhões, sendo R$ 77 milhões de ISS para o Rio de Janeiro. Entre os turistas, 88% foram brasileiros, com uma permanência média de 6,6 dias, e gastando R$ 280,32 por dia, em média. Já os 12% de estrangeiros, ficaram mais dias, gastando mais também (7,7 dias, com gasto médio de R$ 334,01 por dia).
Mas não é só isso, já que as dezenas de escolas de samba, componentes dos diferentes grupos (Especial, Série A e demais grupos…), realizam ensaios comerciais semanalmente, além dos ensaios gratuitos nas ruas perto das suas comunidades. Fazendo uma conta simples, e pegando somente as 13 escolas do Grupo Especial, há mais de vinte ensaios (entre os comerciais e gratuitos) por semana, atingindo milhares de pessoas. Por exemplo, no ensaio de rua do Salgueiro, na Rua Maxwell, que ocorre toda quinta-feira: na rua, por causa do ensaio, centenas de pessoas vão até lá (e não iriam, caso não houvesse esse evento), comem e bebem nos restaurantes, bares e lanchonetes na região, movimentando a economia formal. Além disso, a economia informal também é afetada, com os ambulantes vendendo cerveja, refrigerante, pipoca para as pessoas. E há ensaios gratuitos em diversos locais do Rio de Janeiro, inclusive na Zona Sul, com a São Clemente.
Os ensaios técnicos, gratuitos no Sambódromo, que levavam um público de dezenas de milhares de pessoas para assistir à uma espécie de “prévia” do desfile, que ocorreu por mais de 15 anos ininterruptos, não aconteceu em 2018, voltando (numa versão menor do que já foi no passado) em 2019, e não ocorrerá novamente esse ano. Já os desfiles das escolas de samba de São Paulo estão tendo mais de um mês de ensaios técnicos no Sambódromo do Anhembi. Ou seja, os ensaios, sejam os comerciais (pagos), ou os de graça, na rua ou no Sambódromo (quando ainda existiam), ajudam a movimentar (e muito) a economia, seja formal ou informal, da cidade do Rio de Janeiro e das outras cidades que têm escolas de samba nos principais grupos (Nilópolis, Caxias, Niterói, São Gonçalo…).
Sobre os trabalhadores informais, que são aqueles sem carteira assinada, somados aos conta-própria e empregadores sem CNPJ e trabalhador familiar auxiliar, há no momento mais de 40 milhões de brasileiros nessa situação, segundo dados da Pnad Contínua do IBGE. Apesar da informalidade não ser o ideal, essas pessoas estão numa situação melhor do que os quase 20 milhões de brasileiros que estão desocupados, desalentados (que desistiram de procurar emprego) e aquelas pessoas que realizaram busca efetiva por trabalho, mas não se encontravam disponíveis para trabalhar na semana de referência, por diversos motivos (estudo, saúde, gravidez, entre outros). No Estado do Rio de Janeiro, há três milhões de trabalhadores fluminenses na informalidade, além de 1,9 milhões no somatório de pessoas desocupadas, desalentadas e pessoas que realizaram busca por trabalho, mas não se encontravam disponíveis para trabalhar. Essa é a pior consequência da forte recessão que o país passou entre 2014 e 2016, somada a uma recuperação lenta e gradual da economia desde 2017.
Assim como no futebol, diversas escolas de samba também têm programas de sócio-torcedor. Apesar desses programas ainda serem iniciantes, precisarem de muitas melhorias, e muitos não terem “decolado” como vários do futebol, é uma medida extremamente importante para a melhoria da saúde financeira das escolas, principalmente para o futuro. Salgueiro, Portela, Mocidade, entre outras escolas, possuem programas para seus sócios, com diferentes benefícios.
Outra medida importante, também ainda no início, e que já deu muito certo em alguns clubes de futebol, por exemplo, é o crowdfunding (financiamento coletivo). Para o carnaval 2020, a Mangueira lançou esse projeto. O Fluminense é um caso de sucesso em crowdfunding, já tendo feito sete nos últimos anos, tendo o torcedor tricolor ajudado a pagar festas de aniversário do clube, livros de excelente qualidade, medalhas, bustos, entre outros atrativos. A decisão da Mangueira de fazer esse financiamento coletivo foi excepcional, e tomara que outras escolas também “copiem” esse modelo para os próximos carnavais. Alguns ajustes, claro, precisam ser feitos, mas esse conceito do torcedor poder ajudar a escola, e receber um “prêmio” por isso, é uma ideia muito boa. E, quanto mais exclusivo for, maior é a experiência do torcedor. Como “não existe almoço grátis”, quanto mais exclusiva for a experiência, maior será a contribuição do apoiador, o que é positivo para ambos os lados, tanto para a escola, quanto para o torcedor. Por exemplo, o Fluminense já disponibilizou como uma das “recompensas” poder jogar uma partida de futebol com ex-jogadores do clube, no centenário Estádio Manoel Schwartz, em Laranjeiras. Na cota mais alta desse projeto da verde e rosa, o colaborador recebe, entre outras recompensas, uma bandeira oficial de desfile da Mangueira autografada pelo Mestre Sala e a Porta Bandeira.
Tanto os programas de sócio-torcedor, quanto o crowdfunding, tem o conceito de aproximar mais o torcedor da escola, contribuindo (financeiramente) para a escola, e recebendo benefícios e / ou experiências exclusivas. Ainda há um caminho muito longo para isso deslanchar no meio do carnaval, mas projetos desse tipo bem feitos têm potenciais enormes, e que são benéficos tanto para a escola quanto para os torcedores. Claro que os números, tanto de torcedor, quanto de dinheiro envolvido, são muito distintos entre o futebol e o carnaval. Porém, o “mundo do samba” pode aprender muito, nesse quesito, com algumas medidas de sucesso já implementadas em alguns clubes de futebol.
De uns anos para cá, e cada vez mais, o Sambódromo tem recebido grandes camarotes, com festas muito famosas, para um público mais jovem, e com ingressos individuais e por dia custando mil, dois mil reais, ou até mais. Claramente, a maior parte dessas pessoas não faz parte de um público originário do carnaval. Eles estão lá não pelo Salgueiro, Mangueira, Beija-Flor, Portela, mas sim pela night, bebidas, shows, pessoas que vão estar lá. Mas isso não é um problema, pelo contrário, acho bastante positivo, pois traz um público “novo” e “diferente” para o Sambódromo, que pode até depois se interessar mais pelo carnaval, e ajuda a movimentar, mais uma vez, a economia do “maior espetáculo da terra”. Esse público, formado por cariocas e não cariocas, de mais alto poder aquisitivo, ao invés de ir para os camarotes do carnaval de Salvador, por exemplo, ou viajar para o Sul do Brasil, ou para fora do país, vai curtir as nights em pleno Sambódromo, e ainda pode dar uma espiada, na frisa ou na janela do camarote, enquanto que uma escola de samba evoluí pela Marquês de Sapucaí.
Muitos participantes de grandes eventos, e o Brasil sediou recentemente vários deles, não são necessariamente fãs do show ou esporte específico, mas vão pelo evento, e pela experiência, de uma maneira geral. No Rock in Rio, por exemplo, o Roberto Medina afirmou em entrevista ao jornal “O Globo” no final do ano passado que “a marca se mantém porque a ideia do evento não é lembrar da música ou do artista e, sim, da experiência. Esse foi o conceito desde que surgiu o Rock in Rio. Por isso, tinha que ser mais que uma banda cantando. O evento está se tornando um parque de atrações”. Isso também ocorre nos megaeventos esportivos, como a Copa do Mundo ou Olimpíadas, onde pessoas que nem se interessam por futebol ou esportes, foram assistir alguma partida no estádio na Copa de 2014 ou em alguma arena nos Jogos Olímpicos de 2016.
E, como a estrutura montada por esses grandes camarotes é enorme, muito boa, e, conseguindo maximizar os dias, há camarotes que conseguem fazer seis eventos no Sambódromo, durante o carnaval, em dias com desfile ou sem desfile. Começando na sexta e sábado de carnaval, com os desfiles da Série A, passando por domingo e segunda, os grandes dias e mais caros, com os desfiles do Grupo Especial. Na quarta-feira de cinzas, dia da apuração, há algumas feijoadas nos camarotes. E, finalmente, encerrando a festa no Sábado das Campeãs! Claro que, para quem gosta de assistir aos desfiles completos, de todas as escolas, é melhor ficar na frisa, na arquibancada, ou num camarote “mais  tranquilo” do que nesses “camarotes-night”, mas há público para todos os gostos e bolsos!
A importância das escolas de samba é enorme, pois elas representam, no mundo, o Rio de Janeiro, e o Brasil! No réveillon, de Copacabana, e das outras localidades do Rio de Janeiro, há shows das baterias das escolas de samba. Na abertura e no encerramento das Olimpíadas Rio 2016, houve shows também das baterias. Além disso, muitas escolas de samba também têm diversos projetos sociais, como Beija-Flor, Mangueira, Portela, Salgueiro, entre outras. Então, claro que as escolas de samba têm que ser auto-sustentáveis, conseguir receitas próprias com shows, eventos nas quadras, direito de transmissão da televisão, investir mais nos programas de sócio-torcedor, crowdfunding, entre outras medidas, e a maior parte de dinheiro privado. Porém, o dinheiro público municipal que  era destinado para as escolas era tão ínfimo (R$ 2 milhões por escola do grupo especial, que depois foi cortado pela metade, até finalmente não ter mais nada), frente ao orçamento do município (receita de mais de R$ 25 bilhões), e com o grande retorno (econômico, social, cultural) que o carnaval gera, que chega a ser decepcionante a recente pesquisa do Datafolha que mostrou que mais de 60% da população carioca é favorável ao corte de verbas para o carnaval. O retorno econômico pode ser visto nesses bilhões de reais gerados pelo carnaval, além da geração de milhares de empregos. O retorno social, nos programas sociais das escolas, principalmente para crianças, mas também para as comunidades de uma maneira geral. O retorno cultural, já que carnaval também é cultura.
Então, em resumo, o carnaval gera um impacto próximo de R$ 4 bilhões na economia do Rio de Janeiro, atraindo milhões de turistas, com uma ocupação praticamente completa dos hotéis, arrecadando quase R$ 200 milhões de impostos, e gerando dezenas de milhares de empregos (70 mil, em 2018). Números esses que não deveriam ser ignorados pelas autoridades públicas.
Claro que esse artigo não abrange toda a cadeia econômica do carnaval, nem das escolas de samba. Aqui há somente alguns motivos para mostrar a (grande) importância do carnaval das escolas de samba para a economia do Rio de Janeiro. Bom carnaval para todos!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário