Translate

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Compositores publicam texto sobre o destino da Portela

Por Hélio Ricardo Rainho

O momento de disputa eleitoral da Majestade do Samba levou dois de seus ilustres representantes a redigirem uma espécie de manifesto em favor da escola. A dupla de compositores Toninho Nascimento e Luiz Carlos Máximo - que, junto a parceiros, compôs os belos sambas dos dois últimos anos (Máximo também foi co-autor do samba de 2011) -desabafou sobre a situação da azul e branco de OSwaldo Cruz e Madureira.

O texto teve trecho publicado no jornal "O Globo", mas segue abaixo na íntegra para os leitores do SRZD.
A PORTELA QUE QUEREMOS
Toda instituição com longos anos de existência, inevitavelmente, é acometida por momentos de crise. E com o glorioso Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela não é diferente. Em sua história, a escola teve três traumáticas rupturas. A saída de Paulo da Portela, viga-mestra da agremiação, o rompimento de Candeia e Paulinho da Viola, na década de 70, e, anos mais tarde, a dissidência de um agrupamento que fundou a Tradição. Traumas, superados, mas que deixaram sequelas, naturalmente.

Certamente a escola vive hoje a sua maior crise desde a fundação. Não somente pelo jejum de títulos, mas fundamentalmente, pela incompatibilidade que reina entre o seu comando e os portelenses. As três gestões da atual presidência foram mais do que suficientes para destruir o sonho de que a escola de samba de Oswaldo Cruz e Madureira voltaria a ocupar majestosamente o seu lugar no cenário da cultura brasileira. E as consequências são sempre desastrosas quando uma esperança é apunhalada. A crise da Portela é de diagnóstico simples, porém grave: É a separação irreconciliável entre a sua direção e a comunidade, um corpo sem alma. E caso ocorra a reeleição dessa direção, o futuro é de risco, pois o abismo já existente entre o sonho e a realidade poderá se tornar ainda mais intransponível. Do que nada se espera, não se cria desejos. Mas para um portelense, a esperança não finda, muda de lugar. E neste lugar, capital dos nossos sonhos, vislumbramos o retorno da verdadeira Portela. Uma escola de samba em seu conceito mais amplo, que ponha um fim ao reduzido papel de escola de carnaval. Retomando a utilização do seu espaço enquanto ambiente sócio-cultural da comunidade, em que o samba tem primazia.

Fortalecer a ala de compositores, investindo na formação de novos talentos, e a realização de rodas de samba e festivais de sambas de quadra, são iniciativas necessárias para que a Portela prossiga como uma fonte de referência da música popular brasileira. Assim como é premente que a disputa de samba de enredo seja igualitária, em todos os aspectos que a envolve. A extinção das torcidas de aluguel e parafernálias alegóricas, assim como o incentivo à participação dos integrantes da escola e moradores da região, no transcorrer do evento, são medidas importantes para uma competição dentro da realidade econômica dos compositores e um julgamento justo. Não queremos a transformação em gueto, mas o entendimento de que a escolha do "hino" é um momento sagrado, em que a preferência dos portelenses deve sempre prevalecer, sem a interferência de interesses pessoais e/ou do poder financeiro.


Não estamos entre os que não querem navegar, mas na defesa de que tenhamos o leme em mãos, com a independência de tomarmos o rumo que queremos. O pioneirismo e a ousadia permeiam as belas páginas da nossa história. Parafraseando o mestre Paulinho da Viola, não moramos no passado, mas o temos em nós. E dele tiramos ensinamentos que nos servem para os dias atuais. Nos lembremos sempre que a Portela foi fundada num momento em que a política de Estado era o de apagar as heranças culturais negras. E remando contra a maré, a escola nasceu e abriu caminhos.

Logicamente não fechamos os olhos para as transformações. A negociação entre a tradição e os novos tempos é o desafio de uma nova gestão. A qual desejamos democrática, sem a perpetuação nos cargos de poder, com profissionalismo administrativo e financeiro, onde os recursos sejam investidos com planejamento e transparência, valorizando os profissionais e priorizando as alas comunitárias. A ampliação do colégio eleitoral, com pessoas identificadas verdadeiramente com a Portela, e a criação de um conselho integrado por baluartes, investidos na condição de guardiões da nossa tradição cultural, também são tarefas primordiais para que a democracia seja exercida de forma plena.

Queremos uma direção que seja um instrumento dos anseios dos portelenses. Cientes de que são gestores e não proprietários de uma instituição em que dezenas de milhares de apaixonados depositam seus sonhos. Mais do que nossa, a Portela é um patrimônio cultural do país.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário