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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Maria Lata D'água

Maria Mercedes Chaves. Esse é o nome de batismo de Maria Lata D'Água, uma das mais célebres passistas da Portela, escola em que desfilou por 45 anos. Apesar de uma vida de grandes perdas e privações, Maria marcou o carnaval do Rio de Janeiro, caracterizando-se pelo bom humor ao lidar com as próprias vicissitudes. Em sua autobiografia, Maria Lata D´água conta: “Meus pais eram de família muito humilde. Meu pai não era muito bonito aos olhos dos outros, mas era de boa família, honesto e policial militar, e por isso minha mãe se apaixonou por ele”. Maria nasceu no dia de Nossa Senhora das Mercês, santa de devoção do pai, que prometeu o nome de sua filha à santa. Da infância de privações, Maria conta: “Em casa vivíamos da Providência Divina”.
Nascida em Diamantina (MG), em 25 de setembro de 1933, Maria foi morar no Rio antes de completar 13 anos. Começou a participar dos desfiles em 49, quando saiu pelo Salgueiro, ainda sem a personagem. Mais tarde, foi trabalhar em um circo, onde tudo começou. Em entrevista, ela lembra desse começo: “Um dia nos convidaram para trabalhar num circo, em Nova Iguaçu (RJ), para encher linguiça até os grandes artistas chegarem, mas eles não chegaram. O circo estava cheio e o patrão não sabia o que fazer. Disse que poderia dançar com uma lata d'água na cabeça. Ele não concordou. Tinha outra Maria da Bahia, que dançava igual. Eu disse que fazia melhor. Ele pediu show de 2 horas e, no fim, deu certo”.
Pouco tempo depois do sucesso no circo, Maria foi apresentar a dança no Programa do Chacrinha. “Eu fiquei no trono do programa dele e passei a ser conhecida na cidade. Todo mundo dizia: “Maria Lata D'água”. Até que um dia me convidaram para sair numa escola de samba”, lembra a passista, que já havia saído em diversas escolas, mas sem posição de destaque.
O convite para uma grande escola foi feito pelo Salgueiro que, contudo, inexplicavelmente, não aceitou que ela saísse com a lata d'água na cabeça. Foi quando a Portela a convidou para um show. Resultado: foi aprovada e desfilou durante 45 anos na escola: “Viajei, morei na Europa durante 30 anos, mas todos os anos eu voltava e desfilava na Portela”.
Ícone do carnaval carioca, Maria recorda que sambou pela primeira vez com uma lata cheia de água (20 litros) na cabeça aos 18 anos: “Na avenida, saía dançando apenas nas pontas dos dedos. Ajoelhava e sentava no chão, esticava as pernas, sentava nos pés, como uma bailarina, equilibrando a lata apenas com o pescoço. Não deixava cair nenhuma gota de água para fora”, conta Maria, que desfilou por 45 anos na Sapucaí, pelo Salgueiro, Estácio de Sá, Padre Miguel, Beija-Flor e, principalmente, pela Portela, onde permaneceu por cerca de 45 anos. Maria fez turnês por toda a Europa, com sua dança.
Maria foi de uma época em que mulheres que perambulavam pela rua à noite eram presas. Como possuía carteira de bailarina e artista, saía tranquilamente pelas ruas, até que um dia, mesmo com as carteiras, foi presa. Depois um tempo na cadeia, o delegado a fez dançar para provar que era bailarina, o que a livrou da prisão. Tempos que não queremos de volta.
Maria foi madrinha da Portela, participando de seu período de grande glória. Com a dança, viajou ao Paraguai, mais tarde à Itália, Suíça, Bélgica, dentre outros países, sempre voltando para o carnaval para desfilar em sua Portela. Foi na Europa que recebeu um inusitado pedido de casamento, intermediado pelo filho daquele que seria seu futuro marido, Charles Louis Roy. O casamento foi no Brasil, em uma igreja. Moraram em Piabetá, por vinte anos, até a morte de Charles. Em 1983, conheceu a comunidade católica Canção Nova, mas continuou no carnaval, sua paixão, até 1990.
A Maria Mercedes Chaves não desfila desde 1991. Desde então, após abraçar a comunidade religiosa resolveu parar, sem arrependimentos em relação ao passado, mas com o coração voltado para a nova vida.
Maria Lata D'Água permanece, contudo, nas antigas imagens, no imaginário do carnaval e foi eternizada no samba “Lata D'Água”, de Luís Antonio e J. Júnior, de 1952:
Lata d'água na cabeça
Lá vai Maria
Lá vai Maria

Sobe o morro e não se cansa
Pela mão
Leva a criança
Lá vai Maria

Maria
Lava a roupa
Lá no alto
Lutando pelo pão
De cada dia
Sonhando com a vida
Sonhando com a vida
Do asfalto
Que acaba
Onde o morro principia



Fontes:
CHAVES, Maria Mercedes. Lata d’água na cabeça: da passarela ao sicário. Cachoeira Paulista, SP: Editora Canção Nova, 2017.
Artigos e reportagens coletados na Internet:

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