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quarta-feira, 6 de abril de 2016

Insatisfeitos, compositores da Série A alertam que disputas de samba precisam mudar

Redação Carnavalesco

É um debate recorrente no mundo do samba. As disputas de samba ultrapassam a cada ano o limite do bom senso e a exorbitância de gastos nas eliminatórias torna a disputa por vezes desleal. A crise financeira atingiu em cheio o carnaval carioca no último desfile e alguns compositores da Série A foram surpreendidos com a mudança no repasse dos direitos de arena, por parte do Ecad e da TV Globo.

Se antes o valor mal dava para suprir os gastos com as eliminatórias, agora a defasagem entre o que se ganha e o que se gasta em uma disputa está deixando os poetas acumularem dívidas. O prazer de compor está dando lugar à preocupação com as contas que não fecham.

Redução dos ganhos chega a 90% na Série A

A reportagem do CARNAVALESCO conversou com alguns compositores sobre as mudanças no recebimento dos direitos de arena, que recebem pela transmissão da TV e execução dos sambas-enredo nas rádios. Mas qual é motivo da disparidade tão grande entre o Grupo Especial e a Série A? O compositor Samir Trindade tenta explicar:

- Nos últimos dois anos houve uma redução no repasse da Globo, pois era calculado como transmissão para todo o país. Os valores giravam em torno de R$ 30, 40 mil. Agora o prêmio é de R$ 2 mil, para cada. A única escola que paga premiação boa é a Unidos de Padre Miguel. O restante não tem prêmio, só direito autoral. Não quero ser contra as escolas. Gostaria de abrir uma discussão. O compositor sonha com apresentação de seu samba. Aquilo não tem preço. Por outro lado penso que passou da hora de sermos uma voz só - pleiteia um dos mais conceituados compositores da atualidade.

Outro importante nome consagrado no mundo do samba é Cláudio Russo, que possui uma trajetória de grandes sambas nas maiores escolas do carnaval carioca. Segundo ele, a situação para as parcerias está se aproximando da insustentabilidade:

- Está complicado, ainda mais em ano de crise econômica. Nunca se ganhou muito, sempre se gastou mais que se arrecadava, é bem verdade. A Lierj deu um ano de melhoria, dava para ao menos não gastar. Mas do ano passado pra cá, a Globo mudou o sistema de arrecadação. Não poderia pagar o mesmo do Especial, pois transmite para menos praças. Só que compositor algum foi chamado para esclarecimentos. O Ecad tratou com a Globo e apenas fez um comunicado - reclama Claudio Russo.

Redução do período das eliminatórias é vista como medida emergencial

Algumas escolas de samba abusam do direito de realizarem eliminatórias. Massantes e arrastados, alguns concursos duram meses e o interesse do público só vem mesmo nas fases mais agudas, ou em alguns casos apenas na grande final. Entretanto para os compositores o gasto é semanal e gigantesco.

Cláudio Russo conta que o investimento em uma obra concorrente, caso ela chegue em uma final não sai por menos de R$ 40 mil. Os ganhos no final não ultrapassam um quarto disso. O experiente compositor ressalta que a estrutura de disputas necessita mudar com urgência:

- É o caso das escolas sentarem conosco, diminuir disputas, fazer algo menos oneroso. A tendência infelizmente é os grandes compositores irem se afastando. Você não tem André Diniz, Gusttavo Clarão, Arlindo Cruz (só no Império Serrano) na Série A mais. Se uma parceria não tiver algum nome forte para alavancar financeiramente, não concorre - alerta.

Recém contratado pela Unidos de Padre Miguel, o intérprete Pixulé é um dos mais requisitados pelas parcerias em disputas de samba. Ocorre que ele também costuma participar como compositor. O samba da Alegria da Zona Sul para o Carnaval 2016 é de sua co-autoria. Pixulé explica ao CARNAVALESCO que os gastos são desproporcionais.

- Eu vivo os dois lados da moeda. Sou intérprete e compositor. No concurso que componho raramente vou defender. O gasto que se tem é uma coisa fora da realidade. É uma covardia desproporcional, a disputa no Acesso atingiu um patamar em que é preciso ser totalmente repensada - dispara o cantor.

Com classe desunida, Samir sugere associação

Samir Trindade toca na ferida ao pedir maior união no segmento dos compositores dentro de uma agremiação. Segundo ele, as fofocas e articulações de bastidor estão vencendo a arte de compor um samba: - Está na hora de criarmos uma associação, precisamos falar a mesma língua. Não dá para ficarmos à mercê dessas picuinhas ano sim, outro também. Porquê os outros segmentos realizam confraternizações e os compositores parecem que entram em guerra quando se inicia uma disputa. Unidos poderíamos conquistar mais coisas. Eu gostaria de iniciar esse debate - opina Samir Trindade.

Pixulé é mais cético e não acredita mais que possa haver uma união significativa entre os compositores em prol de melhorias do gênero. - Não tenho essa esperança, pois o mundo do carnaval está dominado pelo ego e a falta de companheirismo. Hoje o cara é seu parceiro, amanhã vai para outra parceria e aí deixa de manter uma amizade. A desunião é realmente grande demais - dispara Pixulé.

Cláudio Russo é otimista e do auto de sua experiência em disputas apresenta propostas para ao menos diminuir a exorbitância de gastos nas eliminatórias. - - O carnaval virou um circo. Tem de ter cantor, gravação, vídeo, torcida, ala coreografada. É muito gasto. Isso é o que fomenta a aparição dos chamados investidores. Hoje ninguém quer gastar na Série A. Como vai continuar gastando, se não tem ao menos um retorno? A culpa não é das escolas, nem da Lierj. Temos é que conversar - pede Cláudio Russo.


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