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quarta-feira, 20 de abril de 2016

UERJ inicia 'Ano do Samba' com debate sobre samba-enredo

Por Guilherme Ayupp

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) iniciou na noite desta terça-feira o "Ano do Samba" da instituição com um debate sobre o gênero samba-enredo. A efeméride está relacionada ao centenário do samba, comemorado em 2017. A roda de conversa "O samba além do enredo" envolveu os jornalistas Felipe Ferreira e Marcelo de Mello, o historiador Vinícius Natal e os compositores André Diniz e Zuzuca.

Em sua fala, Marcelo de Mello, um dos idealizadores da conversa, argumentou que dentro da amplitude que envolve o samba, o gênero é visto de certa forma com algum preconceito, por sua intrínseca ligação com os desfiles das escolas de samba. Entretanto, segundo ele, as grandes obras estão na galeria eterna.

- O samba-enredo sofre uma crítica no universo do samba. O gênero é acusado de uma certa falta de qualidade e falta destaque no meio do grandioso espetáculo. Esse evento é pensado na esteira desse contexto, para contarmos a força do samba-enredo sozinho. Em alguns casos é o samba que dá o tom do desfile, pois os compositores dão seu toque pessoal na obra. Exemplos não faltam - ponderou.

'Pega no ganzê não ganharia hoje', critica Zuzuca

Zuzuza é co-autor de uma das obras de referência do samba-enredo, considerada uma das quebras de paradigma da história. A partir de "Festa para um Rei Negro", carnaval do Salgueiro de 1971, a estrutura melódica e de composição mudou. O músico questiona as atuais disputas de samba.

- Até os anos 1970 o que imperava nas escolas de samba eram outros segmentos. O samba-enredo não tinha tanto destaque. As escolas hoje parecem que vivem apenas do samba-enredo. Abrem suas alas de compositores. Antigamente só participava quem era dali. É uma briga grande hoje. Torcidas, grana. Quando cheguei no Salgueiro eu tinha que provar que era capaz de estar no patamar de um Bala, Geraldo Babão, Djalma Sabiá. Ficava dois, três anos, sem poder participar. Havia uma espécie de batizado no terreiro. Hoje quem é duro não ganha - opinou.

Zuzuca conta os bastidores da criação de um dos maiores sambas-enredo de todos os tempos, entoado até hoje nos mais diversos locais: - Quebrei o paradigma, pois as melodias eram cadenciadas e fiz o samba pensando na folia de reis. Havia tempo para estudar o tema. Hoje ele é mais curto. Passei a viver o tema. Um rei negro da África para Pernambuco para amenizar os irmãos que viviam às turras. O tema me lembrava a minha infância em Cachoeiro do Itapemerim. Coloquei "samba reizado" na partitura. A inspiração veio a partir do trecho "que beleza, a nobreza que visita o gongá". A coisa nasce. Não sei como fazia. O refrão "Olê, lê, Olá, lá" acabou surgindo no fim e entrou para a história, pois as pessoas se apegaram logo a isso no primeiro momento e o samba foi tomando conta da escola - relembra.

Andre Diniz 'descriminaliza' escritórios

Um dos mais atuantes e importantes compositores do atual cenário das disputas de samba, André Diniz, mais uma vez, se posicionou com firmeza em defesa dos sambas de escritório, no sentido de que o compositor tem o direito de poder viver de sua arte.

- Não é segredo para ninguém que componho samba para outras escolas. Hoje um compositor não vive com um samba apenas, isso é a realidade. Temos parceiros que viabilizam aquilo acontecer financeiramente, qual é o problema? E aí você tem de fazer um samba com verso obrigatório: "iogurte é leite, tem saúde e muito mais" - disparou.

O compositor informa que a construção do samba-enredo segue o mesmo padrão de qualquer artista: - Cada samba tem um compromisso social e espiritual. Música é assim. Você tem que tentar tocar e mudar a vida das pessoas. Buscamos retratar com 'festa no arraiá' o cotidiano mesmo do homem do campo. E como éramos a última escola a desfilar, o galo cantando era repetido 80 vezes, como se o dia nascesse de novo. O samba-enredo tem de partir desta premissa.

André conta que a aproximação com Martinho da Vila, rival em diversos anos na Unidos de Vila Isabel, era um desejo antigo seu. A dupla ganhou junta os sambas dos carnavais 2013 e 2016: - Fazer um samba com Martinho sempre foi um sonho. Ele relutou no princípio e não queria assinar, mas eu o convenci que não haveria graça. Eu e Arlindo Cruz já tínhamos uma primeira parte pronta e cantamos para ele. Na verdade, o que convenceu o Martinho foi justamente o próprio samba. Ele disse que a obra estava pronta e a partir dali mergulhou conosco nos trazendo sua característica linha melódica - contou.

O compositor foi aplaudido pelo público ao tecer críticas contundentes às atuais disputas de samba. Para André Diniz, reduzir o custo das disputas é a única salvação para salvar o sistema: - Construir uma disputa mais barata, que o compositor tenha mais liberdade de criação. A Mangueira tomou uma medida excelente recentemente ao omitir o nome das parcerias. Mas com intérpretes de renome, todos sabiam quais eram as parcerias de acordo com cada cantor. O primeiro intérprete que eu contratei eu paguei R$ 50. O nome dele? Tinga - lembra André Diniz.



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