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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

D. Esther

Se D. Esther fosse viva, completaria hoje 123 anos.

É preciso ter raízes bem fincadas no chão de Oswaldo Cruz e Madureira, no terreiro da Portela, para ser um Majestoso. Uma Majestosa, no caso. E que mulher é essa, que no início do século migrou para as terras azuis e brancas, deu um nó na sua condição de mulher e de sujeito subalterno e se tornou ícone de toda uma geração, símbolo de uma história com tantas páginas belas? Estamos falando de Esther Maria Rodrigues, ou Esther Maria de Jesus, mas, para muitos, ela é simplesmente, Dona Esther. Alguns textos grafam seu nome Ester. Nascida em 14 de fevereiro de 1896, Tia Esther faleceu em 22 de dezembro de 1964, aos 68 anos.

Seria exagero dizer que sem ela não haveria a Portela? Ou que era uma espécie de Tia Ciata (Hilária Batista de Almeida, Santo Amaro da Purificação, 1854 – Rio de Janeiro, 1924) do subúrbio? Exageros e comparações infrutíferas à parte, aquela mulher inteligente, alva e bela, de talhe aristocrático, foi uma das figuras centrais dos primórdios da história da Portela e fundamental para sua fundação. Segundo Marco Antônio Martins Júnior (2012, p. 43), “a partir da década de 1910 começaram a chegar pessoas da classe média que vinham do Centro da Cidade, como foi o caso de Paulo Benjamin de Oliveira, de dona Esther Maria Rodrigues e de Napoleão José do Nascimento, pai de Natal da Portela”. Somente em 1921, dona Esther e seu marido, Euzébio Rocha, chegam a Oswaldo Cruz, vindo de Madureira ou Turiaçu. O casal morou inicialmente na rua Joaquim Teixeira, mudando-se depois para uma casa nova, na Rua Adelaide Badajós, em um grande terreno que em breve se transforma no local mais importante do bairro. É preciso anotar que antes da mudança para Oswaldo Cruz, o casal havia fundado o cordão “Estrela Solitária”, que se firmou no Largo do Neco, localidade situada entre Turiaçu e Madureira. No cordão, dona Esther desempenhou a função de Porta-Estandarte e seu marido a de Mestre-Sala. Lá, germinava a semente do carnaval que mais tarde daria origem a tantas glórias. A ida do casal a Oswaldo Cruz ocorreu após rompimento com o antigo cordão.

É interessante observar o caldo social e cultural que se formou nas áreas de Madureira, Oswaldo Cruz e adjacências. Migrantes, ex-escravos, em sua maioria, vindos das fazendas de café do Vale do Paraíba, outros oriundos do interior de MinasGerais e habitantes das propriedades rurais de Santa Cruz e adjacências formaram boa parte da população que ocupou a antiga Freguesia. De hábitos e culturas diversas, essa população formaria o complexo rítmico que seria a origem de várias manifestações artísticas, como o samba. Como os habitantes de Oswaldo Cruz eram originalmente negros do Congo e de Angola e cultores das religiões afro, a batucada em formação era quase uma decorrência natural dessa mistura que se deu com o fim da escravidão. A partir da década de 1910, chegam novos habitantes, vindos das camadas médias da sociedade, como Paulo Benjamin de Oliveira e dona Esther, que ampliaram o caldo cultural com suas formas de vestir, seus costumes e o apreço por outros ritmos, como o caxambu e o jongo. A festa foi um componente essencial neste começo. O candomblé era o traço religioso que unia essas pessoas e fazia do batuque uma rotina na vida cultural da região.

Tia Esther, como ficaria conhecida, mantinha em sua casa um terreiro que se tornou o centro das atenções e de congregação de sujeitos de várias origens e classes sociais. Políticos, gente do povo, artistas, como Pixinguinha, pessoas influentes e vários sambistas ali se reuniam. A influência de dona Esther fez com que muito da repressão aos ritmos africanos, ao samba e à religião se afrouxasse. Ela foi responsável por licenças de funcionamento de blocos, cordões e outros. Seu bloco, por exemplo, era legalizado e tinha alvará de funcionamento. Esse conluio foi essencial para a fundação da Portela. O bloco “Baianinhas de Oswaldo Cruz” se formava na esquina da Estrada do Portela com a Rua Joaquim Teixeira e foi criado por Paulo Benjamim de Oliveira, Antônio Rufino dos Reis e Antônio da Silva Caetano, três fundadores do Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela. Por conta das brigas no “Baianinhas”, Paulo das Portela solicitou a Natalino (o futuro Natal, da Portela) que intercedesse junto a seu pai, seu Napoleão, para que outra agremiação fosse fundada. Nasce o “Conjunto Oswaldo Cruz”, reduto do samba de Oswaldo Cruz, à época. Mais tarde, o “Conjunto” se torna “Quem faz de nós é o capricho” e, posteriormente, em 1930, surge o nome “Vai como Pode” e, mais, tarde o G.R.E.S. Portela. Essa gênese é importante para se entender a importância de Tia Esther.

Embora não seja unanimidade, a versão aceita hoje é que o batismo da Portela foi realizado por dona Esther. A escola foi consagrada à Nossa Senhora da Conceição, Oxum no sincretismo da Umbanda, que passa a ser a madrinha da Portela, junto com São Sebastião (Oxóssi) como padrinho, hoje o padroeiro da bateria da azul e branco de Oswaldo Cruz e Madureira.
As festas de dona Esther eram antológicas, como já se disse, mas sua contribuição maior para a Portela foi a criação do bloco “Quem fala de nós come mosca", considerado o primeiro embrião da Portela. Sua inspiração para a criação do "Baianinhas de Oswaldo Cruz" seria a segunda grande contribuição de dona Esther. O bloco de dona Esther desfilava somente em Oswaldo Cruz, era formado por crianças e tinha autorização da justiça para desfilar. Muitos portelenses dos primórdios da escola frequentavam as festas de dona Esther. Era na segurança de seu lar e sob sua proteção que os sambistas tiveram mais um espaço de convívio, manifestação e difusão de sua arte.

Dona Esther concentrou em sua casa o núcleo do que viria a ser a mais importante agremiação do carnaval carioca. Para muitos, Tia Esther está para a Portela assim como Tia Ciata está para a consolidação do samba no Centro do Rio de Janeiro e para a história do ritmo. É uma espécie de matriarca da Portela e do bairro de Oswaldo Cruz e sua importância é reverenciada por todos os que amam a Águia Altaneira e o samba.
Salve dona Esther, a Tia Esther, nossa matriarca. Axé!

Bibliografia recomendada:

MARTINS JÚNIOR, Marco Antônio. Foi um rio que passou em minha vida: Portela representações e sustentabilidades em Madureira. Rio de Janeiro, 2012. 116p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Geografia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
http://aladebaianas.com.br/…/81-dona-ester-uma-pioneira-da-….

http://revistazcultural.pacc.ufrj.br/dos-arredores-da-prac…/




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